domingo, maio 15, 2005

 

Eleitoralismo nos municípios portugueses

É hoje ponto assente na literatura de política económica que os interesses pessoais dos governantes podem influenciar as políticas adoptadas, causando distorções na economia que diminuem o bem-estar social. Partindo desta ideia genérica, os estudos sobre os ciclos político-económicos analisam de que forma o desejo de serem reeleitos e a ideologia dos políticos afectam a evolução da economia. Modelos recentes tendem a assumir que, embora todos os políticos sejam eleitoralistas, eles diferem no seu nível de competência, que conhecem antes do eleitorado. Na véspera das eleições, políticos eleitoralistas tiram partido desta assimetria de informação procurando sinalizar um elevado grau de competência ao eleitorado. Poderão, por exemplo, aumentar os gastos públicos e/ou reduzir os impostos antes das eleições, com o objectivo de aparentarem estar a fazer uma boa gestão do erário público. É expectável que tais aumentos das despesas estimulem temporariamente a economia, gerando mais emprego e crescimento económico pouco antes das eleições.
Atendendo a que só faltam cinco meses para as próximas eleições autárquicas, pareceu-me oportuno referir nesta coluna as conclusões de um estudo que empreendi recentemente em co-autoria com Linda Veiga, da Universidade do Minho, no qual averiguamos a existência de ciclos político-económicos no âmbito dos 278 municípios de Portugal Continental. Para tal, realizámos testes econométricos que incidem, em primeiro lugar, sobre as finanças municipais, testando a hipótese de os défices orçamentais e as despesas serem maiores no ano das eleições do que nos restantes anos do ciclo eleitoral, usando dados para o período compreendido entre 1979 e 2001. Um segundo grupo de testes incide sobre o emprego ao serviço das empresas de cada município, no período 1985-2000.
A investigação realizada revela claramente a existência de ciclos político-económicos nos municípios de Portugal Continental. Em consonância com modelos económicos recentes de ciclos eleitoralistas, os autarcas portugueses gerem os instrumentos de política económica de forma a revelarem maior competência pouco antes dos escrutínios. Há forte evidência de que os défices e as despesas municipais, com destaque para as de investimento, aumentam significativamente no ano das eleições e, em vários casos, no ano anterior. Com efeito, os resultados indicam que, mantendo tudo o resto constante, o aumento nas despesas totais em anos de eleições, face à média amostral, é de 4 por cento, nas de capital é de 7,5 por cento e nas despesas de investimento é de 8,2 por cento. Esta gestão eleitoralista das despesas pelos dirigentes locais incide principalmente nas rubricas de investimento mais visíveis pelo eleitorado, tais como Outros Edifícios e Construções Diversas, o que denota claramente a intenção de ganhar votos mostrando obra feita. No que diz respeito às subdivisões destas rubricas, merecem especial destaque os ciclos eleitoralistas em Viadutos, arruamentos e obras complementares e Viação rural, com aumentos face à média amostral de 46,9 e 16,8 por cento, respectivamente.
Também se verificam ciclos político económicos ao nível do emprego municipal, aumentando este em anos de eleições. A relação entre estes resultados e os obtidos para as despesas municipais é intuitiva. Por exemplo, dados os acréscimos verificados nas despesas em Outros Edifícios e Construções Diversas, não constitui surpresa o facto de se verificarem aumentos do emprego no sector da Construção e Obras Públicas em anos de eleições.
Em suma, os resultados deste estudo revelam claramente o comportamento eleitoralista dos autarcas portugueses que, em anos de eleições, aumentam as despesas municipais, fazendo crescer o emprego municipal, com o intuito de melhorarem as suas hipóteses de reeleição. Tendo em conta que o eleitoralismo se traduz numa perda de bem-estar, na medida em que as políticas são seleccionadas com o objectivo de maximizar os votos e não o bem-estar social, e que a tendência para elevar a despesa e o endividamento pouco antes das eleições autárquicas poderá, ocasionalmente, dificultar o respeito do Pacto de Estabilidade e Crescimento, entendo ser benéfica a recente imposição de regras mais apertadas à gestão das finanças públicas locais que dificultam a gestão eleitoralista das mesmas pelos autarcas. No entanto, o resultado prático dessas regras só poderá ser aferido quando estiverem disponíveis dados sobre as finanças municipais para o último ciclo eleitoral (2002-2005). Ou seja, só então poderemos averiguar se teve continuidade a gestão eleitoralista das finanças municipais verificada entre 1979 e 2001.

Francisco Veiga

http://www.semanarioeconomico.com

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