terça-feira, fevereiro 28, 2006

 

A ARTE E O ENTULHO

Antigamente, a obra de arte estava ao alcance do discernimento de qualquer pessoa, porque estava directamente relacionada com o conceito de beleza. Era o tempo em que imperava a estética aristotélica, a estética da beleza. E o que distinguia o génio do homem comum era precisamente o facto de aquele conseguir conceber coisas belas, dignas de admiração e que demonstravam talento.

Hoje, porém, já ninguém se atreve a bater palmas ou elogiar o que quer que seja sem antes ouvir a opinião abalizada dos decifradores das obras de arte. Porque, sem a sua opinião, ninguém sabe se está perante uma obra de arte ou uma porcaria qualquer.

Quem já teve a oportunidade de visitar os museus de Arte Moderna que vão proliferando por esse mundo fora, não pode deixar de concluir que é extremamente difícil distinguir as obras de arte expostas de um guarda-chuva esquecido num canto de uma sala ou de um bocado de reboco caído da parede.

Ainda há pouco tempo, no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, uma obra de arte de Jimmy Durham foi destruída por uma inculta empregada de limpeza que resolveu deitar para o lixo os cacos de um lavatório partido que encontrou no chão e que afinal faziam parte da obra de arte. É que a obra de arte era precisamente isso: um lavatório vulgaríssimo a quem o artista tinha transformado numa obra de arte depois de o partir de um lado com uma marretada. E a obra de arte era constituída pelo lavatório e pelos cacos caídos no chão.

Por sua vez, em Frankfurt, os homens do lixo resolveram atirar para o incinerador a obra de arte de Michael Beutler colocada numa rua da cidade. É certo que a cidade ficou mais limpa, mas o presidente da Câmara ficou ofendidíssimo com os funcionários camarários por não terem reconhecido nuns desperdícios de construção civil uma obra de arte.

No entanto, se esta empregada de limpeza e estes homens do lixo se tivessem cruzado com o Moisés e o David de Miguel Ângelo de certeza que não os confundiriam com um bocado de entulho. O mesmo já não sucederia se os levássemos ao Parque Eduardo VII ver o monumento ao 25 de Abril.

Donde se conclui que, ao contrário do burguês urbano letrado, qualquer homem do lixo ou mulher da limpeza consegue distinguir facilmente uma obra de arte de um monte de pedras.

O culto do criador que hoje se pratica e incentiva serve, na maior parte das vezes e infelizmente, para promover medíocres e dar de comer a comparsas ideologicamente afins.

E para comprovar isto mesmo, o jornal Sunday Times resolveu, recentemente, mandar dactilografar cópias integrais dos romances “Num País Livre” (a obra mais aclamada do prémio Nobel Sir Vidiadhar Surajprasad Naipaul) e “Holiday” (escrito pelo vencedor do «Prémio Booker», em 1974, Stanley Middleston) e enviou-as, sob o pseudónimo de jovens aspirantes que queriam publicar o seu primeiro livro, para avaliação das principais editoras e agentes literários britânicos. Nenhuma das grandes editoras britânicas mostrou interesse na sua publicação.

Ou seja, hoje em dia, o único critério para avaliar a qualidade de uma obra é o nome de quem a assina. Se for X é uma obra de arte; se for Y é uma porcaria, para já não utilizar outra expressão bem mais adequada. O nome faz-se e promove-se na comunicação social a partir da tertúlia de amigos e de certos partidos. Ser do Bloco de Esquerda, por exemplo, é hoje meio caminho andado para o sucesso, tal o peso que este partido tem nos órgãos de comunicação social e no seio da burguesia intelectual. E a partir daqui, o sucesso está garantido, tendo em conta que vivemos num mundo onde as pessoas são criadas, desde o berço, a seguirem as modas como rebanhos de ovelhas.

Aliás, basta olharmos hoje para um ser humano com olhos de ver e um mínimo de senso crítico para ficarmos de boca aberta: como é possível certas pessoas conseguirem sair à rua, depois de se verem ao espelho?

E não faltará mesmo gente a vazar um olho ou a cortar um dedo, no dia em que um anormal qualquer se lembrar de dizer, em voz alta, que isso é fashion.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

 

A GUERRA DOS MUNDOS

- É proibido fixar cartazes e desenhar grafitis! Espera...e desenhar cartoons humorísticos sobre o Islão!?
- Proibido, repugnado e punível com um desencadear de reacções violentas!
- Mas...eu não vivo num país democrático?
- Sim.
- Então, não é verdade que a liberdade de expressão é o fundamento basilar da democracia?
- Sim. Mas nos países islâmicos a democracia não existe, a sociedade encontra-se em tirania, logo, o que para ti é liberdade de expressão, para eles é liberdade de provocação. Mas temos que ser compreensivos, são uma cultura diferente.
- Compreensivos!? Depois do 11 de Setembro em NY, o 11 de Março em Madrid, os atentados em Bali e no metro de Londres, começam a existir situações que vão para lá da compreensão.
- Temos que ser compreensivos. São apenas os radicais que fazem desencadear a violência.
- Não, não são apenas os radicais. São apenas as mais altas estruturas que dão o mote a estes comportamentos. Senão vejamos: o presidente do Irão, prometeu travar guerra contra o Ocidente, começando por “riscar Israel do mapa”, o Imã de Londres incitava à violência enquanto fazia contrabando de armas. E o pior de tudo é que alguns destes tiranos são legitimados pelo voto popular, como aconteceu com a subida ao poder da organização palestiniana radical e militar Hamas. Hoje em dia, a guerra que os EUA travaram contra o Iraque encontra-se cada vez mais legitimada. Se calhar o ideal é os EUA não se ficarem pelo Iraque, pois a instauração da democracia é necessária em mais alguns países. Só a democracia traz a paz, só a democracia trava o terrorismo. Existe no Mundo um conflito entre civilizações, a Ocidental e a Muçulmana. Os Estados Unidos já o sabem há muito, a Europa é que não!

Gonçalo Godinho e Santos

 

A INVASÃO DOS BÁRBAROS

«O mundo dá muita volta» diz o povo e com inteira razão. Quem me havia de dizer a mim, há 20 anos atrás, que me iria agora sentir tão envergonhado e arrependido por ter aceite ser mandatário concelhio de Freitas do Amaral, nas presidenciais de 86. Mário Soares, afinal, tinha razão quando encostou Freitas às cordas, no célebre debate das presidenciais de 86, a propósito do seu silêncio conivente com a ditadura. Na verdade, um homem que cresce e floresce à sombra tutelar de uma ditadura, indiferente ao sofrimento alheio, ao autoritarismo do regime e à falta de liberdade, ou é convictamente fascista ou, pura e simplesmente, tem um grande falta de carácter. O problema não é o silêncio em si, mas o que isso revela do carácter de uma pessoa. E só Deus sabe quanto me custa dar razão a Mário Soares, sobretudo no momento em que lhe atribuem a paternidade deste regime político apenas formalmente democrático, mas substancialmente corrupto e moralmente iníquo.

Não é, por isso, de estranhar que, no momento em que os fundamentalistas islâmicos, declaram guerra total ao Ocidente e aos nossos valores civilizacionais, Freitas de Amaral se mostre, uma vez mais, disposto a sacrificar tudo a troco de uma ilusória paz com os senhores da guerra orientais. E, por favor, não me venham com a conversa de que a razão não está só dum lado, ou seja, de que a violência contra os ocidentais é condenável, mas que a publicação das caricaturas também é, como se as duas coisas fossem sequer equiparáveis ou se pudessem meter no mesmo saco. Nestas alturas, mais dolorosa e nefasta do que a violência fundamentalista é o cinismo e a hipocrisia de quem inventa estas justificações para legitimar, no fundo, a violência fundamentalista contra os cidadãos e os países ocidentais.

Como é possível que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros gaste tanto latim a condenar a publicação, num desconhecido jornal dinamarquês, de uns cartoons vulgaríssimos (vulgaríssimos num país onde haja liberdade de expressão, obviamente) e não dedique uma única linha a condenar o assassinato do padre italiano por um jovem fundamentalista muçulmano?

(Que José Saramago justifique, publicamente, a violência muçulmana e defenda a censura, considerando que os Governos ocidentais deveriam proibir a publicação de cartoons deste género, ainda se compreende, até porque isso só vem demonstrar a sua grande coerência ideológica. O autor do “Evangelho Segundo Jesus Cristo” apenas não compreende que os cristãos e a Igreja católica não se revejam na sua obra...)

Mas não haverá, na Europa, ninguém capaz de defender abertamente e sem quaisquer complexos a civilização ocidental e a sua superioridade moral sobre regimes ditatorais que só conseguem sobreviver graças à miséria e ignorância em que fazem questão de manter os seus povos?

Como qualquer pessoa lúcida já percebeu, os cartoons não foram a causa desta onda de violência, foram apenas o pretexto. Para as ditaduras muçulmanas, as democracias ocidentais são, ao mesmo tempo, um perigo, na medida em que defendem um modelo de desenvolvimento que choca abertamente com a sua forma autoritária de exercer e manter o poder, e o inimigo externo necessário para manter o povo unido e esquecido da miséria em que vive.

Como nos ensinou Churchill, em tempo de guerra, a razão está só de um lado: do nosso lado. Qualquer concessão ou cedência neste campo, é abrir a porta à derrocada.

Infelizmente, Freitas do Amaral é, hoje, o espelho daquilo em que esta civilização do bem-estar nos transformou. Com efeito, na Europa, hoje só estamos dispostos a morrer de cirrose, overdose, acidente de viação ou vascular. E gente assim não tem qualquer hipótese de sobrevivência quando se defronta com gente para quem a vida não tem qualquer valor. De cedência em cedência até à derrota final. Perante a fúria do fanatismo muçulmano, os nossos governantes estão prestes a cair-lhes de joelhos aos pés, dispostos a oferecerem-lhes as mulheres, as filhas e as jóias com a única condição de lhes pouparem a vida. Hoje cada vez mais nos parecemos com os antigos romanos do período da decadência do império e os árabes com os bárbaros. Todos sabemos como terminou esta história...

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

 

O regresso do Pântano - Parte II

Volvidos um ano da maioria absoluta e José Sócrates á boa maneira guterrista começou a não governar, ou melhor a desgovernar o País.
É simplesmente deprimente olhar para os vários planos de acção do executivo e na forma como as políticas tem sido executadas.Vejamos alguns pequenos exemplos:

Portugal tem hoje mais cinquenta mil desempregados do que há um ano atrás. A promessa divina de Sócrates era criar 150 mil.Pergunto-me: com este caminho Sócrates quer criar ou perder 150 mil ?

O plano técnológico é uma falácia! Não passa de um retalho aqui e acolá, uns investimentos em tímidas medidas, uma panóplia de anúncios de projectos que ainda tem de ser definidos pelos investidores e um mal esclarecido estigma de um ministro pelo MIT. Para cumulo do circo mediático, trazemos cá Bill Gates, juntamos metade do governo ( qual figurantes da "Praça da Alegria"), um primeiro-ministro babado e.... zás eís que surge a fórmula mágica para recuperar o despedaçado sector dos texteis. Santa ingorancia!

Sabe-se que o governo se prepara para encerrar já para o próximo ano lectivo 4500 escolas. É a lei do menor esforço, da falta de humanismo e cívismo. Como é que sde pode desrespeitar tanto crianças com 6 ou 7 anos, lenvando-as a estudar para fora da sua terra, londe da família, entregando-as um dia inteiro ao Deus dará?

Correia de Campos continua a sua saga rumo ao absurdo. Ele é encerramento de hospitais, mais burocracia no acesso a desconto de medicamentos pelos idosos, capitulação do sector farmacêutico, aumento astronómico de taxas moderadoras para o utente( nem quero acreditar naquela medida do financiamento a 50 ou 75 % por parte do utente!).

E para acabar nada melhor do que um endividamento absurdo á custa do TGV e da OTA, uma maquilhagem manhosa aos números do défice ajudado pelo companheiro de armas Vitor Constâncio e voilá.....

Sócrates no seu melhor.

Triste sina a nossa!

Martinho

sábado, fevereiro 18, 2006

 

DO GUTERRES AO SÓCRATES

Na véspera das legislativas, publiquei neste jornal um artigo intitulado «O Dever Cívico de Não Votar» de que não resisto agora a publicar um extracto: «O que é que os distingue (a Santana Lopes e José Sócrates)? Infelizmente, nada. Ou melhor, quase nada. A não ser que achemos que os problemas do país se resolvem com a legalização dos casamentos de homossexuais, do aborto e das salas de chuto.»

Houve, na altura, quem me criticasse pela visão tão catastrófica de um eventual Governo socialista liderado pelo delfim de Guterres, parecendo-lhes até absolutamente inverosímil que José Sócrates viesse sequer a tocar nos chamados temas fracturantes, tendo até em conta os graves problemas que assolavam o nosso país.

Pois aí estão as grandes preocupações socialistas. No primeiro ano de mandato, o novo referendo sobre o aborto foi a grande bandeira que mobilizou os deputados socialistas. Agora são os casamentos homossexuais. E as salas de chuto e a legalização da venda de drogas está na calha, a fazer fé nas entrevistas e artigos de opinião que por aí vão aparecendo.

Quanto ao resto, as reformas tem-se reduzido em esmifrar os trabalhadores até ao tutano e em enxovalhar as classes profissionais na praça pública, como se fosse a pontapé que se resolvessem os graves problemas deste país. Mas Portugal, infelizmente, é incapaz do meio termo, oscilando sistematicamente entre dois extremos: entre a bandalheira da 1ª República e a ditadura salazarista, entre Guterres e Sócrates.

Ora, uma das grandes reformas por que o país tanto anseia é a Reforma Administrativa. E dentro da Reforma Administrativa a redução do número de municípios e freguesias. Com efeito, os micromunicípios em que o nosso país está dividido são hoje um dos principais entraves ao desenvolvimento (designadamente, do interior do país), o principal obstáculo à tão propalada descentralização, um dos principais sorvedouros de dinheiros públicos e um dos principais responsáveis pela degenerescência e degradação da nossa democracia de que o caciquismo é uma das faces.

Como é fácil de perceber, quanto maior for o número de municípios menores são os recursos disponíveis para cada um, mais difícil é encontrar quadros técnicos competentes e qualificados, mais recursos são absorvidos pela máquina burocrática, com o aumento proporcional da sua ineficiência e mais dependente fica a eleição do presidente da Câmara do pequeno número de eleitores que o elege e que ele, por serem poucos, facilmente domina e controla.

O Governo e o ministro da tutela sabem isto muito bem, tanto assim que, logo na sua primeira entrevista, o ministro apontou precisamente para a necessidade imperiosa de se reduzir o número de municípios e freguesias. Só que, na hora da verdade, é preferível defender o casamento dos homossexuais e esquecer, de vez, a redução do número de municípios que nos consomem os recursos, o património e os valores.

No entanto, era bom não esquecer o destino que os nossos amigos árabes xiitas dão aos homossexuais. Porque, se os Governos europeus são tão lestos a passar por cima dos nossos valores culturais, tremem que nem varas verdes quando os fanáticos islâmicos lhes põem o dedo no nariz. Até no que respeita à liberdade de expressão, valor de que os europeus tanto se gabavam, bastou a ameaça dos fundamentalistas islâmicos a propósito das caricaturas de Maomé para que o nosso primeiro-ministro José Sócrates (tão severo e implacável com as classes profissionais) e a maioria dos governantes europeus ajoelhassem, de imediato, em pedidos de desculpa e a implorar compreensão. Andaram alemães, espanhóis e franceses a bater nas costas dos árabes, durante a guerra do Iraque, a pensar que assim fugiam à fúria muçulmana, para agora a maldita liberdade de expressão deitar tudo por terra...

Cá estaremos para ver quem vai acabar por ceder: se os fundamentalistas, se os europeus. Eu, pessoalmente, já sei quem vai ser. E o estimado leitor tem alguma dúvida quanto a isso?

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

domingo, fevereiro 12, 2006

 

A CAMINHO DO “FARWEST”

Recentemente, numa escola perto de si, um aluno de 14 anos apalpou as mamas a uma funcionária. Imagine o leitor que era advogado e que a funcionária lhe pedia um conselho sobre o que havia de fazer, mais que não fosse para não se arriscar a ser apalpada todos os dias, quer pelo dito aluno, quer pelos outros, ao verem que o gesto não tinha consequências.
Falar ao pai do aluno? Tal pai, tal filho. Se ele tivesse medo do pai não se comportava daquela maneira. Tomara o pai que o filho não lhe bata a ele. Apresentar queixa no Conselho Directivo? Já foi feita, mas o máximo dos máximos que pode dar é uns dias de suspensão e isso é precisamente o que o aluno quer. Ainda se fica a rir. Apresentar queixa no Ministério Público? Não dá em nada. O aluno é menor e, nestes casos, só se gasta tempo e dinheiro.
Por mais que uma pessoa puxe pela cabeça, não encontra, no nosso ordenamento jurídico, uma medida com efeitos práticos capaz de prevenir, punir e/ou dissuadir um menor de ter uma conduta idêntica. Consequentemente, se a funcionária não quiser continuar a ser apalpada, só tem uma coisa a fazer: despedir-se. Caso contrário, o melhor é ir-se habituando ao facto de poder ser apalpada todos os dias. É o que se chama a democratização da apalpadela. Antigamente eram só os patrões fascistas que apalpavam as empregadas, agora é quem quiser, desde que não seja o patrão, obviamente, porque, neste caso, o código feminista é extremamente severo.
Imagine agora o leitor que a funcionária era a sua esposa. Provavelmente, teria agido como agiu o marido da dita funcionária. Apanhou o aluno a jeito e deu-lhe um “enxerto de porrada”. Enfim, tornou-se um criminoso, aos olhos da nossa enviesada Justiça. Mais um que ainda não se habituou a respeitar a legalidade democrática.
Nestes casos, a nossa justiça, em regra, já é lesta e tem a mão pesada. Porque, infelizmente, as nossas leis quase só já servem para dissuadir e punir a pessoa que é agredida e ofendida de se defender.
Mas quem fala de uma apalpão, fala duma cuspidela, dum risco no carro, da antena partida, etc. Imagine o leitor que um cachopo de 14 anos, cada vez que passa por si, se lembra de lhe cuspir para cima, de lhe riscar o carro ou de lhe partir a antena. Exclua a justiça pela próprias mãos. O que é que pode fazer?
Aqui há uns tempos fui nomeado defensor oficioso de um indivíduo de cerca de cinquenta anos acusado de ofensas corporais a um cachopo de 12 anos. E no que é que consistiu a agressão? Enquanto o senhor estava à pesca, o cachopo, só para gozar, entretinha-se a atirar pedras para dentro de água. O senhor cansou-se de lhe pedir, por todos os santinhos, para não atirar pedras até que resolveu passar das palavras aos actos. Desatou a correr atrás dele e, como não o conseguia apanhar, atirou-lhe com um talo de couve que lhe bateu nas costas. Por esta violenta agressão, a mãe do menor apresentou queixa, acabando o desgraçado por ser condenado pelo Tribunal.
A Justiça, em Portugal, chegou a um beco sem saída. Se é que já se pode chamar Justiça. E face ao actual estado de degradação a que chegou, os nossos deputados e governantes têm de decidir: ou conseguem pôr a Justiça de pé ou, pura e simplesmente, reconhecem que tal é impossível e decretam a lei do Farwest, como recentemente aconteceu em Itália. Se o Estado não consegue garantir a segurança das pessoas, tem de deixar que estas se defendam pelos seus próprios meios e com o que tiverem à mão.
Agora o que não é admissível é ter um sistema judicial que, alicerçado em bons princípios teóricos, protege, na prática e escandalosamente, as pessoas com menos vergonha na cara.
Todos estamos de acordo que ninguém deve fazer justiça pelas próprias mãos. A Justiça e a Segurança dos cidadãos são tarefas que incubem ao Estado. O problema apenas surge quando cada um de nós se começa a aperceber e a interiorizar que o Estado é incapaz de garantir a Justiça e a Segurança dos cidadãos. Aliás, é o próprio Procurador-Geral da República, Presidente da República, Ministro da Justiça, Bastonário da Ordem dos Advogados e Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que o reconhecem em cada entrevista que dão.
E a questão que a todos se coloca é a seguinte: se o Estado é incapaz de cumprir as suas funções, que autoridade tem, depois, para punir cidadãos que foram obrigados, por demissão e omissão do Estado, a assumir as funções que só a este caberiam?

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

 

A estranha morte do Ocidente

Independentemente das consequências últimas que venha a ter o caso dos cartoons de Maomé, dele restará mais uma pequena morte do chamado Ocidente. Haverá poucas coisas que melhor o definam do que a liberdade de expressão e a separação entre a opinião pública e o Estado. Quando quadrilhas de radicais islamitas, orquestradas por Estados autocráticos, fizeram um chinfrim disparatado a propósito dos cartoons, era de esperar que o Ocidente se unisse na afirmação daqueles princípios. Que asseverasse a sua especificidade cultural, dizendo claramente se vos ofende a representação gráfica do profeta, a nós ofende-nos a limitação da liberdade de o fazer. Ofende-nos que um governo tenha de pedir desculpa pelas opiniões expressas por um cidadão privado num jornal. A reacção inicial do primeiro-ministro da Dinamarca foi a correcta e bastava que o dito Ocidente a secundasse com naturalidade para pôr ponto final na conversa. Quando governos de países muçulmanos lhe pediram que o Governo dinamarquês se retractasse pelos cartoons, Andreas Fogh Rasmussen explicou que não era responsável pela opinião de um jornalista. Todos nós, ocidentais, passamos o tempo a cruzar-nos com mensagens que consideramos ofensivas, mas aceitamo-las, em nome de algo que consideramos superior a liberdade de outrem emiti-las. Até porque é ela que nos permite fazer o mesmo, ainda que seja de forma involuntária.

Os cristãos ocidentais têm de suportar quotidianamente insultos extraordinários Cristo como homossexual, Maria como prostituta ou ornada de bosta de elefante, para dar apenas alguns exemplos gratuitos. Se manifestam a sua repulsa, logo são tomados por uma franja social lunática ou atacados com uma bateria de argumentos sobre o carácter inegociável da liberdade de expressão. Agora, muitos dos mesmos que tanto se deleitam a insultar o cristianismo à sombra da liberdade de expressão, descobriram a "sensibilidade cultural" do islamismo. Nada disto é novo, mas desta vez assumiu proporções (literalmente) de caricatura. Seguidores de Maomé destroem as torres gémeas de Nova Iorque e uma ala do Pentágono, matando mais de três mil pessoas, enquanto nas ruas de Ramallah se celebra dançando; destroem a Embaixada americana em Nairobi, matando 250 pessoas; destroem uma composição ferroviária em Madrid, matando 200 pessoas; destroem umas quantas carruagens de metro em Londres, matando 50 pessoas; destroem uma rua turística de Bali, matando 200 pessoas; o Presidente do Irão promete riscar Israel do mapa e afirma que o Holocausto não passa de uma "fantasia judaica". Tudo isto acontece e repetem-se as vozes dizendo-nos que é preciso "compreendê-los" e às suas "razões de queixa" pela "arrogância" ocidental. Agora já nem sequer se pode publicar um cartoon em Copenhaga sem que o "mundo islâmico" se indigne e uma multidão de ocidentais se penitencie, com diversos governos (inclusivamente de países onde os cartoons não foram publicados, como a Grã-Bretanha) desmultiplicando-se em desculpas pelo comportamento de cidadãos privados de outros países. Claro que, quanto mais este penoso espectáculo continua, mais os radicais islâmicos se permitem reivindicar uma razão que os próprios ocidentais lhe conferem e passar à violência despropositada. A pretexto dos cartoons destruíram-se embaixadas inteiras, ou seja, países foram fisicamente atacados, mas muita gente continua a assegurar-nos que é preciso "compreendê-los". E quando, exactamente, é que o Islão terá de nos "compreender" a nós?

A triste conclusão é que, provavelmente, o Islão não tem nada que nos "compreender" a nós porque a cada dia que passa nós vamos existindo um pouco menos. Quem vê as torres gémeas cair e os comboios de Madrid a arder e continua a pregar a "compreensão" do outro não é, obviamente, merecedor de qualquer respeito. O ódio de tantos ocidentais à civilização a que pertencem é um dos fenómenos mais fascinantes e deprimentes do mundo de hoje. São esses os ocidentais que passam o tempo a recensear horrores no Ocidente, ao mesmo tempo que "compreendem" os horrores alheios, em nome da sua "especificidade" cultural. São eles que nunca encontram nenhuma razão para o Ocidente se defender de insultos e ataques. São eles que consideram Bush e os EUA os equivalentes actuais do nazismo (sem exagero basta lembrar o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, as bandeiras americanas com as cruzes gamadas ou Bush com o respectivo bigodinho alusivo), mas parecem achar normais as regurgitações iranianas sobre o Holocausto. São eles que consideram Guantánamo a maior vergonha da humanidade (o "novo gulag", na imortal definição da Amnistia Internacional), mas encolhem os ombros aos 300 mil mortos do regime de Saddam.

O mais interessante disto tudo é que são mesmo capazes de ter razão. Se uma civilização não gera os instintos necessários para sobreviver, é porque não merece sobreviver. Se são eles que preferem não se defender a si próprios, porque razão haverá alguém de os defender a eles?


Luciano Amaral
Professor universitário

www.dn.pt

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

 

MORTE À GNR!

Há cerca de dois meses faleceu, no Afeganistão, o primeiro soldado português. Tal foi suficiente para se voltar a erguer o conhecido coro de protesto pela nossa intervenção nas missões de paz no Afeganistão, na Bósnia e no Iraque.

Não se estranha o protesto em si. Estranha-se apenas que essas mesmas pessoas que se indignam tanto com a morte de um soldado português num cenário de guerra, mantenham um silêncio tão conformado e conivente sempre que são baleados e mortos, em Portugal, os soldados da GNR às mãos dos delinquentes que proliferam pelas ruas das nossas vilas e cidades. Porque, bem vistas as coisas, parecia que haveria de comportar maiores riscos para a segurança dos soldados a sua presença em cenários de guerra do que no patrulhamento das vilas e cidades de Portugal.

Mas os números aí estão a desmentir aquilo que parecia evidente. Na verdade, pelos números dos últimos anos (basta ler os jornais diários), um soldado da GNR corre mais riscos de ser alvejado ou assassinado se patrulhar as nossas ruas do que se patrulhar as ruas de uma cidade do Iraque, da Bósnia ou do Afeganistão.

Desde o falecimento do soldado português no Afeganistão, quantos soldados da GNR foram baleados e mortos em Portugal? Imagine-se que, neste entretanto, tinha sido assassinado um soldado da GNR no Iraque? O que seria? Quantas marchas pela paz não se fariam pelas ruas de Lisboa? Quantas velas não se poriam na janela? Quanta baba e ranho não verteriam as virgens do costume?

Mas será que as carpideiras do costume terão assim tanta pena dos soldados da GNR caídos em serviço? Então por que não choram também pelos que morrem em Portugal? Por que razão tanta dor por uns e tanta indiferença por outros? Será pelo facto de ser excepcional que a morte de um soldado no Afeganistão gera tanta agitação e indignação, enquanto a morte dos soldados da GNR em Portugal, por ser tão habitual, gera tanto silêncio e conformismo? Ou será que a morte de um soldado da GNR só vale a pena ser chorada se servir de estratégia para combater o imperialismo americano?

Na resposta a estas questões encontraremos certamente a explicação por que os hipócritas do costume consideram a morte de um soldado num cenário de guerra, em cinco anos, algo absolutamente inadmissível, enquanto a morte de soldados e agentes da GNR e PSP nas ruas de Portugal algo perfeitamente compreensível e aceitável. Aliás, como fazem questão de sublinhar com a frieza habitual do seu racionalismo (sempre que o seu anti-americanismo primário não lhes afecta os neurónios, obviamente): «a morte de um soldado da GNR ou de um agente da PSP, em território nacional, é um risco inerente à sua profissão». Será possível haver maior cinismo?

Infelizmente, os hipócritas do costume, apesar de representarem uma insignificante minoria na sociedade portuguesa, têm, no entanto, uma grande capacidade de reprodução nas cúpulas do Estado e na Comunicação Social, o que lhes permite dar grande visibilidade às suas opiniões e tomadas de posição, criando, muitas vezes, a sensação, no cidadão mais desprevenido, de que se tratam mesmo de opiniões maioritárias e consensuais.

O que se passa, hoje, com Souto Moura e a saga das escutas telefónicas é, de resto, uma caso paradigmático. A quem se deve a actual lei das escutas telefónicas? Ao Governo socialista de Guterres, António Costa, José Sócrates e Alberto Costa. Quem nomeou Souto Moura Procurador da República? O Governo socialista. Imagine-se agora que aquela lei e esta nomeação tivessem sido feitas pelos governos de Durão Barroso ou Cavaco Silva!… Que suspeitas não se levantariam?…

Quem conhece Souto Moura e priva com ele sabe, no entanto, que se trata de um homem bom, sério, competente e íntegro. O seu único azar foi o ter assumido o cargo convencido de que vivíamos num Estado de Direito onde todos os cidadãos são iguais perante a lei. Ingenuidade a sua. É óbvio que não são. Toda a gente sabe isso, senhor Procurador.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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