terça-feira, maio 30, 2006

 

Feira do Livro

Sessão de apresentação da obra BOCAGE, MEU IRMÃO (poesia satírica) de Santana-Maia Leonardo (com capa e caricaturas de Carlos Barradas), a realizar no Domingo, dia 4 de Junho de 2006, pelas 15:30 horas em


FEIRA DO LIVRO DE LISBOA
Auditório da APEL – Parque Eduardo VII



Coordenação da sessão e breve reflexão sobre a obra pelo animador-cultural Drº Ângelo Rodrigues. Apresentação da obra e autor e leitura de poemas da mesma pelo Exmº Senhor Juiz Conselheiro Drº José António Mesquita. Momento musical pelo grupo O Seu Contrário (canções & poesia).

 

FEIRA DO LIVRO DE LISBOA

Auditório da Feira do Livro - Parque Eduardo VII
Domingo - 4 de Junho de 2006 - 15H30



«BOCAGE, MEU IRMÃO» é o retrato fiel e politicamente incorrecto de um país que dá vontade de rir, começando no primeiro-ministro e acabando em cada um de nós.
Se não puder estar presente no lançamento do livro, peça-o na sua livraria e divulgue-o.

quarta-feira, maio 24, 2006

 

A LEI É DURA

No último ano, houve várias pessoas que me procuraram no escritório com multas de trânsito que consideravam absolutamente injustas e que justificavam com aquele argumento tão típico dos portugueses de que andavam a ser perseguidas pelas autoridades. E todas elas tinham uma história pessoal mal resolvida com o autuante com que pretendiam justificar a autuação.

Os portugueses, diga-se de passagem, são o povo mais parecido com os judeus, no que respeita a perseguições. São perseguidos por toda a gente: pela polícia, pelos tribunais, pelos árbitros, pelo patrão, pelos credores... Encarei, por isso, com naturalidade o facto de os autuados se queixarem de, também eles, andarem a ser perseguidos pelas autoridades.

Como todos sabemos, no que concerne às multas de trânsito, é extremamente difícil ao putativo infractor demonstrar a sua razão, uma vez que o auto faz fé em juízo, o que significa que cabe ao autuado (e não ao autuante) o ónus de provar que não cometeu a infracção, o que torna esta uma tarefa digna de Hércules.

Mas compreende-se que assim seja. Por um lado, a multa de trânsito não acarreta aquela desvalor social que arruina e destrói o bom nome, a consideração e a imagem pública de um cidadão, como acontece com o crime; por outro lado, a não ser assim, só passaria a ser sancionado por infringir o Código da Estrada quem quisesse uma vez que o sistema seria incapaz de dar resposta às solicitações. Mesmo assim, já é o que é, imagine-se como seria se fosse ao contrário…

No entanto, este sistema pressupõe necessariamente que os agentes da autoridade sejam pessoas correctas e que não usem o distintivo para outros fins que não seja o de cumprir e fazer cumprir a lei, com isenção e bom senso. Ou seja, que não usem o distintivo, designadamente, para fazer retaliações ou justiça pelas próprias mãos.

E bom senso, esclareça-se, é precisamente o contrário do que resulta da célebre máxima latina «dura lex, sed lex» (a lei é dura mas é a lei). Não há nada mais injusto ou revelador de menos bom senso do que a aplicação cega da lei, fonte permanente de injustiça.

Até aqui, certamente, poucas serão as pessoas que discordarão de mim.

Ora, não fosse o facto de vivermos em Portugal e dos agentes da autoridade também serem portugueses e tudo seria claro como a água. Acontece que, se os autuados são portugueses, os autuantes também são.

Está, pois, na hora de regressarmos ao ponto de partida deste artigo.

Qual era, então, a infracção cometida por essas tais pessoas (várias) que alegavam que andavam a ser perseguidas pelos autuantes?

A infracção ao artigo 25º do Código da Estrada que preceitua o seguinte: «Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade», à aproximação das passagens de peões, de escolas, hospitais, creches, de aglomerações de pessoas ou animais, nas localidades, nos troços em mau estado, nas descidas, etc.

Enfim, todos eles foram autuados porque não seguiam a velocidade especialmente moderada. Não significa isto, note-se, que todos eles não seguissem a velocidade moderada, só que, segundo o olho clínico do autuante, não era especialmente moderada.

Ora, uma coisa parece, desde logo, evidente: deixar que o “especialmente” a que se refere o artigo 25º do CE seja aferido “a olho”, segundo o critério altamente subjectivo do polícia, é escancarar a porta à arbitrariedade, na medida em que o “olho” do polícia não poderá deixar de ser influenciado, sobretudo nas terras pequenas, pelas relações pessoais que este vai criando com os diferentes condutores.

E a ser assim, só por pura hipocrisia poderíamos continuar a dizer que a lei é igual para todos. Porque uma lei aplicada a “olho” é sempre especialmente dura para uns e especialmente moderada para outros.


Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

segunda-feira, maio 22, 2006

 

Genética, preconceito e ditadura

Há assuntos que nos são sucessivamente impostos pela imprensa. Sem relevância prática ou significado real, vêm à actualidade por manifesto enviezamento dos jornalistas. A homossexualidade é um desses. Uma questão menor de costumes, para mais do foro pessoal, não mereceria atenção especial no meio dos graves problemas actuais se não existisse quem insiste em a impor.

Desta vez a ocasião foi um estudo sueco, citado na prestigiada revista americana Proceedings of the National Academy of Sciences, a que a nossa imprensa deu larga cobertura (Destak, 10 de Maio; SIC Notícias, 13 de Maio, etc.). Segundo as notícias, essa análise demonstra a "tendência homossexual determinada à nascença" e que a orientação sexual é genética.

Basta olhar para o conteúdo para notar que o trabalho citado não prova nada disso. Como de costume, os títulos pouco têm a ver com a realidade. O estudo, bastante limitado e preliminar, apenas analisou a reacção cerebral de algumas (poucas) pessoas a odores de hormonas. O fundo do problema mantém-se.

Apesar destes esforços de manipulação, a atitude sexual está longe de ser um instinto acéfalo absolutamente incontrolável. Cada um de nós, pessoas racionais, continua a poder determinar a sua vida de forma autónoma.

Mas o aspecto interessante nunca foi a ciência, mas o propósito e a interpretação destas notícias. Partamos por isso do princípio de que aquilo que os nossos jornais dizem é verdade. Vamos assumir, para efeitos argumentativos, que a homossexualidade é apenas um assunto genético, sem qualquer influência comportamental ou escolha própria. O que é que tal significaria para a sua avaliação?

Imagine que amanhã se descobria que existe um gene que determina o comportamento violento, preguiçoso ou racista de certas pessoas. Será que a sociedade iria passar a aceitar e recomendar essas práticas? O que aconteceria certamente é que elas seriam consideradas "doenças genéticas", como tantas outras consequências indesejadas que sabemos virem dos nossos cromossomas. Mas nenhum de nós alteraria a sua opinião (ou preconceito, como diz a imprensa) contra a violência ou o racismo por causa dessa descoberta.

Isto significa que, quanto à questão valorativa, estas investigações são irrelevantes. A atitude perante a homossexualidade ou o racismo depende de uma posição moral, ideológica de fundo, o tal preconceito.

Os resultados científicos, que são importantes para compreender a questão, não chegam para a avaliar. Sabemos há décadas que o mongolismo está impresso nos genes, mas isso não o torna bom.

O problema, de facto, é moral, não médico. Qual então a consequência de dizer que a homossexualidade é (se fosse) só genética?

Até 1973 a Associação Americana de Psiquiatria incluía a homossexualidade no catálogo das doenças do foro psiquiátrico. Quando foi retirada, isso constituiu uma grande vitória para aqueles mesmos que agora se esforçam por demonstrar que ela, afinal, é uma doença genética.

Claro que não dizem que é uma doença. Pelo contrário, pretendem demonstrar (sem o conseguirem) que a homossexualidade é "natural". Mas uma doença é algo de natural, tão natural como a saúde. Aquilo que nos leva a considerar certas coisas naturais como doenças e outras como saudáveis é a nossa opinião de fundo sobre elas. É aí, e não na sua naturalidade, que reside o verdadeiro problema. Há cem anos o racismo era normal, e a homossexualidade aberrante. Hoje inverteram-se as situações. Mas aqueles que, desde sempre, repudiaram ambas são considerados preconceituosos, antes quanto à primeira, agora quanto à segunda.

A visão milenar da Igreja Católica considera a homossexualidade como "depravação grave... intrinsecamente desordenada", mas acolhendo as pessoas com tendências homossexuais com "respeito, compaixão e delicadeza" (Catecismo da Igreja Católica, 2357-8). Por que razão esta posição, que está muito mais profundamente justificada e doutrinalmente elaborada que qualquer outra, é chamada um "preconceito do Vaticano" (SIC, loc. cit.), mas a oposta não é um preconceito dos media?

Todos partimos de uma atitude moral para julgar o mundo. Por que razão algumas são aceitáveis e outras preconceitos? Neste tempo tolerante, cada um assume as suas posições e respeita as dos outros. Mas a imprensa, na sua proverbial imparcialidade, citando estudos que não entende, ataca arrogantemente umas e exalta outras. Esta é a feroz ditadura mediática em que vivemos.


João César das Neves
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
Professor universitário

dn.sapo.pt

domingo, maio 14, 2006

 

DE PÉS PARA A COVA

Como não me tenho cansado de repetir, ao longo do último ano, e, infelizmente, os recentes relatórios da OCDE, do Banco Portugal e do FMI confirmaram, este Governo não só ainda não levou a cabo qualquer reforma digna desse nome como inclusive não conseguiu sequer travar o crescimento da despesa pública que consumiu totalmente o aumento de receitas proveniente do drástico apertar do cinto aos portugueses que, praticamente, ficaram sem cintura.

É certo que, quando Sócrates chegou a primeiro-ministro, Portugal já estava gravemente doente. Só que ainda estava animicamente em condições de ser operado. E este é que é o problema com que agora nos defrontamos. Após um ano de Governo em que este se limitou a desgastar psicologicamente o doente, num exercício de sadismo difícil de compreender, Portugal encontra-se num tal estado de debilidade física e anímica que tenho sérias dúvidas se resistirá à operação a que inevitavelmente vai ter de ser sujeito.

Francamente, nunca conheci um Governo tão pouco inteligente como este. Mas, infelizmente, neste país, a estupidez, regra geral, tem o condão de atrair a simpatia do povo, dos jornalistas e dos comentadores.

Portugal só conseguirá sair do buraco em que os sucessivos Governos o colocaram se conseguir matar dois coelhos de uma cajadada: por um lado, reduzir drasticamente a despesas pública; por outro, levar a cabo reformas em sectores essenciais, designadamente, na Administração Pública, Educação, Saúde e Justiça. Isto não é, obviamente, novidade nenhuma. Aliás, toda a gente sabe isso e toda a gente o repete.

Agora o que ninguém tem a coragem de dizer é que, para que isso suceda, só existe uma única saída: o despedimento dos funcionários públicos que foram contratados por razões políticas e não por necessidades do serviço. Não há outra alternativa. Ou o Governo tem a coragem de fazer isso, reduzindo dessa forma a despesa pública e, consequentemente, permitindo o crescimento económico, através da redução da carga fiscal que está a asfixiar completamente o tecido empresarial português, ou a economia nacional entra em colapso e, consequentemente, as condições de vida dos portugueses vão continuar a degradar-se e o desemprego vai disparar, em todos os sectores, público e privado, numa viagem sem regresso.

Acresce que, se o Governo tiver a coragem de levar a cabo as reformas essenciais na Educação, Administração Pública, Justiça e Saúde, etc., a despesa pública reduzir-se-á automaticamente para valores perfeitamente aceitáveis, uma vez que grande parte da ineficiência destes sectores, como é o caso da Educação e da Administração Pública, resulta precisamente, por um lado, do excesso de pessoal que se acotovela nas Repartições inventando trabalho e, por outro, da multiplicação das disciplinas nas escolas que impede totalmente os alunos de aprender alguma coisa.

Agora, para que as reformas tenham aceitação, era importante que o Governo começasse pelas que dizem respeito à política. Até para dar o exemplo.

Assim e em primeiro lugar, devia começar pela redução do número de deputados para metade. Aliás, se substituíssem 2/3 dos deputados por bonecos que se levantassem quando os lideres das respectivas bancadas carregassem no botão, o país só ganhava com isso: era mais barato, faziam o mesmo papel e ainda tinham a vantagem de não faltar às votações.

Em segundo lugar, devia proceder à extinção de todas as câmaras com menos de 20 mil eleitores e das juntas de freguesia com menos de 1.000 eleitores.

Em terceiro lugar, devia cortar 40% dos orçamentos das autarquias. E ainda sobrava muito dinheiro para esbanjar. Desafio o leitor a fazer este trabalho: agarre na conta de gerência de uma câmara e num lápis vermelho; depois, comece a cortar tudo o que acha desperdício e veja o que sobra. É uma vergonha a forma como é gasto o nosso dinheiro: festas, subsídios de carácter puramente político-partidário, almoços e jantares, viagens ao estrangeiro, obras absolutamente estapafúrdias, megalómanas e caríssimas, trabalhos a mais que duplicam e triplicam o valor das obras, etc..

Se o Governo tivesse coragem de tomar estas medidas, os portugueses, em geral, sofreriam menos, o Estado tornar-se-ia mais magro, mais ágil e mais eficiente e a economia real tinha, então, condições para crescer e criar riqueza, acabando por absorver grande parte do desemprego criado. Mas isso é pedir de mais a um Governo com mais vocação para coveiro do que para médico. Por isso, se sentirem uns pazadas de terra a cair-vos em cima, não estranhem: é o Governo a trabalhar.


Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

domingo, maio 07, 2006

 

MORTE AOS HEREGES!

Bradaram os frades de S. Domingos da Justiça,

da Educação e da Agricultura.

Celebram-se agora quinhentos anos da mortandade de judeus levada a cabo pelo povo de Lisboa, com a benção dos frades de S. Domingos. Tudo começou quando um cristão-novo pretendeu esclarecer os presentes na Igreja de S. Domingos que a luz que irradiava da imagem de Cristo não era nenhum milagre, mas apenas a luz do sol. O que tu foste dizer... «Morte aos judeus! Morte aos hereges!». E depois foi o que se sabe: milhares de judeus chacinados na praça pública pelo povo em fúria, instigados pelos frades de S. Domingos.

Com vista, certamente, a celebrar condignamente a efeméride, os novos frades de S. Domingos, há cerca de uma ano a pregar em S. Bento e no Terreiro do Paço, resolveram reeditar a matança dos hereges.

O povo, metido nesta angústia e vil tristeza, onde tudo funciona mal, desde a Justiça à Educação, da Economia à Administração Pública, esperava ansioso por qualquer raio de sol que, incidindo no rosto do nosso primeiro-ministro, sugerisse um pequeno milagre.

E o milagre ocorreu. O rosto do primeiro-ministro iluminou-se como que por milagre. Ouviu-se, então, um bruá no país inteiro. As sondagens dispararam. Finalmente havia alguém que tinha a coragem de “pegar o touro pelos cornos”, de afrontar os direitos instalados. E o primeiro-ministro, com o rosto inundado da luz dos projectores, anunciou ao país as prometidas e indispensáveis reformas: a venda dos medicamentos nos supermercados, a redução das férias judiciais, as aulas de substituição, a suspensão das medidas agro-ambientais…

«Milagre! Milagre!», clamou o povo.

Acontece que um cristão novo ali presente, na sua ingenuidade, declarou o óbvio: «Isso não é reforma nenhuma. Pelo contrário, não só não vai resolver nada como vai ainda agravar mais os problemas já existentes.» O que tu foste dizer…

O frade de S. Domingos da Justiça clamou em voz alta: «se o povo tem um mês de férias, por que razão os judeus hão-de ter dois meses de férias?» E o frade de S. Domingos da Agricultura clamou: «Houve três judeus que usaram os subsídios da agricultura agro-ambiental para encher as suas piscinas.» E, por sua vez, a freira de S. Domingos da Educação clamou: «10% dos judeus faltam às aulas». E já não houve tempo para outras explicações. «Morte aos judeus! Morte aos hereges!», clamaram o povo e os frades de S. Domingos. E os hereges foram literalmente arrancados dos tribunais, das escolas, dos campos, das farmácias, dos hospitais, dos quartéis, etc. pelo povo em fúria e espezinhados e queimados na praça pública, enquanto os frades de S. Domingos iam lançando mais achas para a fogueira, bradando em voz alta contra o fim dos interesses corporativos.

Consumada a matança dos hereges, veio a constatar-se, segundo os recentes relatórios do Banco de Portugal, da OCDE e do FMI, que as prometidas reformas, afinal, ainda não saíram da cartola. Pelo contrário, não só a nossa Economia continua a regredir como as reformas continuam por fazer. E se se fizer um estudo comparativo com outros anos sobre a produtividade e a qualidade do trabalho nos nossos tribunais e nas nossas escolas, facilmente se irá constatar que, ao contrário do que as medidas sugeriam, também aqui houve uma grande regressão.

Para perceber o que se passou nas escolas e nos tribunais, basta recordar apenas alguns extractos da recente entrevista de António Cerejeira, director de recursos humanos da IBM: «O que faz a diferença são as pessoas. Se tivermos empregados motivados, isso terá impacto no resultado».

O Governo fez tudo ao contrário. Com medidas pontuais e ridículas e declarações públicas ofensivas da dignidade das classes profissionais, desmotivou as pessoas e feriu de morte sobretudo os melhores profissionais, aqueles que cumpriam e superavam os objectivos que lhes eram propostos. E agora ficou com o menino nos braços.

As reformas estão todas por fazer. Acontece que não basta legislar para que as reformas se concretizem. É necessário, para que as mesmas tenham sucesso, que não esbarrem na resistência passiva daqueles que as têm de implementar: magistrados, funcionários administrativos, professores, médicos, polícias, etc. Caso contrário, as reformas ainda produzirão resultados piores do que aqueles que pretendem corrigir.

Ou seja, para que as reformas tenham sucesso é necessário que o Governo conte com a colaboração e o empenho dos judeus. Só que, depois de os ter queimado na praça pública, isso tornou-se completamente impossível.


Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

segunda-feira, maio 01, 2006

 

APELO AOS DEPUTADOS

Na última semana, a falta da maioria dos deputados ao Parlamento, inviabilizando a aprovação dos decretos governamentais em agenda, indignou os comentadores de norte a sul do país que viram, nessa atitude, o espelho da irresponsabilidade dos nossos eleitos, sobretudo num momento em que se lhes exigia que servissem de exemplo à Nação.

Ao contrário (como sempre) da opinião geral, acredito que esta debandada é apenas a consequência natural da consciencialização da sua inutilidade pela maioria dos nossos parlamentares e tenho esperança que a mesma sirva de exemplo a todos aqueles que são obrigados a estar no seu local de trabalho sem fazer nada.

Na verdade, se até os professores se indignam de ser agora obrigados a passar várias horas fechados numa sala sem fazer rigorosamente nada, para além de ler o jornal e fazer palavras cruzadas, como não se há-de sentir a maioria dos nossos deputados, encurralada várias horas na bancada parlamentar, sem, muitas vezes, ter sequer um jornal para ler? Além disso, não nos podemos esquecer que a intervenção da maioria dos nossos parlamentares se resume a levantar o braço no momento da votação, conforme determinado pela chefia do grupo parlamentar. Ou seja, nem sequer o gesto de levantar o braço comanda.

Ora, se a maioria dos deputados nem sequer manda no seu braço, a única parte do seu corpo verdadeiramente relevante para efeitos de actividade parlamentar, como se lhe pode exigir que troque um dias de férias algures de corpo inteiro pela presença de um braço na sessão parlamentar?

E não são os deputados os representantes do povo? E o que é que o povo faria e faz em situações idênticas?

Por outro lado, estou convencido de que a maioria dos deputados, apesar de não ter qualquer interferência ou responsabilidade na feitura das leis, não pode deixar de se sentir grandemente incomodada por ter de aprovar leis com as quais não pode deixar de estar em total desacordo. Isto, partindo do princípio, obviamente, que o facto de só se usar o braço não bloqueia o funcionamento da cabeça.

Em toda esta história, só o que achei verdadeiramente lamentável foi a tirada (a fazer lembrar o célebre Odorico) do Presidente da Assembleia da República sobre as sanções em que os deputados faltosos iriam incorrer caso não justificassem a sua falta, quando é certo que as sanções só são aplicadas se os deputados faltosos quiserem. Ou seja, se tiverem a honestidade de assumir que foram de férias. Porque, como todos nós sabemos (ou devíamos saber), para justificar a falta de um deputado, basta apenas a sua palavra. Ora, esperar um comportamento ético de quem tem o descaramento de assinar o livro de presenças e pôr-se ao fresco é, em boa verdade, pedir de mais…

Este episódio veio apenas confirmar aquilo que todos já sabíamos: que a única medida verdadeiramente reformadora do nosso sistema político e económico é não só a abolição do regime de faltas dos deputados mas sobretudo a imposição de pesadas sanções a todos aqueles que se atrevam a pôr o pé (ou melhor, o braço) no Parlamento.

Se não têm mais nada para fazer, vão fazer trabalho político para os futebóis, festas e arraiais. Mas, por favor, não ponham os pés (perdão, os braços) no Parlamento. Bem aventurados dias em que o Parlamento está fechado!


Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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