sexta-feira, agosto 18, 2006

 

JUSTIÇA À LA CARTE

(A mesma lei condena e absolve)

Na época passada, num controlo anti-doping, foi detectada a mesma substância em dois jogadores: norandrosterona. Um jogador era do Benfica e outro do Santa Clara. Perante duas situações absolutamente idênticas, como decidiu o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol?

Absolveu o jogador do Benfica e condenou o jogador do Santa Clara. Obviamente. Ou não se chamasse Conselho de Justiça.

Mas analisemos a argumentação dos dois acórdãos: 1) Acórdão que absolveu o jogador do Benfica: «apenas com o resultado da análise o arguido não pode ser punido. É necessário que o acusador alegue e prove que o arguido, voluntariamente, ministrou ou de qualquer outra forma voluntária introduziu no seu organismo a substância que veio a verificar-se estar no seu corpo»; 2) Acórdão que condenou o jogador do Santa Clara: «o legislador prescindiu naturalmente (até por virtude de previsíveis dificuldades probatórias) do pressuposto de verificação da plena intencionalidade da conduta dopante».

Resumindo: se o jogador for do Santa Clara, basta para ser condenado que a análise seja positiva; se o jogador for do Benfica, é necessário que se prove que este introduziu voluntariamente a substância no seu organismo, o que, como facilmente se constata, é praticamente impossível de provar, a não ser que o jogador confesse.

A situação foi tão escandalosa que o próprio secretário de Estado teve de convocar uma conferência de imprensa para expressar a sua indignação.

Todavia, se estas situações apenas ocorressem na justiça desportiva, podíamo-nos dar por muito felizes. Só que isto também começa a suceder cada vez com mais frequência nos nossos tribunais, o que não é de estranhar tendo em conta que o Conselho de Justiça é composto maioritariamente por juízes.

Mas será que o poder judicial, no seu autismo, não percebe que a falta de critério das decisões (tanto pode ser assim como assado) é a principal causa do absoluto descrédito da nossa justiça?

O caso «Mateus» é outra vergonha! Até parece que os membros do Conselho de Disciplina e do Conselho de Justiça não nutrem por si próprios qualquer pingo de respeito. Só faz lembrar as decisões do Tribunal Constitucional sempre que está em causa um diploma que divide a esquerda e a direita. Para os juízes indicados pela esquerda, o diploma é sempre inconstitucional, se for essa a posição dos partidos de esquerda; para os juízes indicados pela direita, o diploma é sempre constitucional, se for essa a posição da direita, e vice-versa. Ou seja, o que menos importa é o que diz a Constituição.

No caso “Mateus”, a situação é, em tudo, idêntica. Também aqui já toda a gente percebeu que o que determina o voto é a cor clubística (Sul/ Belenenses e Norte/Gil Vicente) e não o facto de o Belenenenses ou o Gil Vicente terem ou não razão perante a lei. Daí as alterações do sentido das votações, consoante a presença ou ausência de um único elemento, assim como as consequentes demissões e readmissões.

Chamam os juristas, eufemisticamente, a isto diferentes interpretações da lei, quando, na verdade, se trata apenas de manipulação da lei ao sabor das conveniências de cada um. Chegamos, assim, à triste conclusão de que, em Portugal, as leis têm esse condão de se desdobrar em leis completamente diferentes e de sentidos opostos, consoante a pessoa a quem é aplicada. A mesma lei que condena é a mesma lei que absolve. Por isso, outro dia, alguém me dizia, com alguma graça, que, em Portugal, para o sucesso judicial, mais importante do que se ter um bom advogado é o advogado ter um bom cliente.

Com efeito, com leis que se deixam interpretar tão facilmente ao ponto de produzirem decisões totalmente contraditórias, é difícil convencer alguém de que vivemos num Estado de Direito onde todos os cidadãos são iguais perante a Lei. Ou melhor, até somos capazes de ser todos iguais perante a Lei. Só que há uns muito mais iguais do que outros.


Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

segunda-feira, agosto 07, 2006

 

NÃO DESISTA, SENHORA MINISTRA!

(Não faça como eu)

Disse a senhora ministra da Educação que os exames servem para avaliar os alunos e os professores. Ora, os exames servem, em primeiro lugar, para avaliar a entidade responsável pela elaboração dos enunciados e, só depois de se verificar que os mesmos estão adequados àquilo que pretendem avaliar, é que servem para avaliar os alunos e os respectivos professores.

Assim sendo, os exames deste ano apenas serviram para confirmar aquilo que qualquer professor competente já tinha concluído através da simples observação directa. Ou seja, que a actual equipa ministerial era incompetente e muito pouco inteligente. Incompetente na medida em que desconhece, em absoluto, a realidade escolar. Só assim se justifica a apresentação de enunciados absolutamente inadequados ao cumprimento da sua função. E pouco inteligente porque conseguiu, com as suas inteligentes medidas para melhorar a qualidade do ensino nas escolas e o sucesso escolar, produzir o efeito precisamente contrário ao pretendido.

Não foi a senhora ministra que disse que os exames servem para avaliar os alunos e os professores? A ser assim a conclusão a extrair pela senhora ministra dos resultados dos exames deste ano só pode ser uma: os alunos e os professores estão piores.

Ora, se os professores passaram, este ano, mais tempo nas escolas e se os alunos tiveram o tempo mais ocupado, quer com aulas de substituição, quer com aulas de apoio, como se explica que os resultados tivessem piorado?

Imagine o leitor que se deparava com a seguinte situação para resolver: duas crianças incapazes de andar, uma por se encontrar sub-nutrida e outra excessivamente obesa. Eu sei o que o leitor faria. Mas se, em vez do leitor, as duas crianças tivessem o azar de cair nas mãos da senhora ministra da Educação a solução era a seguinte: obrigava a criança obesa a ingerir mais calorias e a criança sub-nutrida a fazer dieta. E, depois, ficava muito admirada, passado um ano, se as duas crianças não se mexessem. E se alguém se atrevesse a denunciar o erro, era ainda acusado inevitavelmente de não querer que se fizesse nada para pôr as duas crianças a caminhar.

Há um ano havia nas escolas bons e maus professores. Agora só já há maus professores. Com as suas inteligentes medidas, a senhora ministra conseguiu, por um lado, dar uma justificação aos maus professores para continuarem a ser maus e, por outro, desmotivar e desmobilizar completamente os bons professores que agora se arrastam pelas escolas, maldizendo a sua vida e todas as horas que dedicaram à escola. Ninguém consegue ser bom professor se estiver psicologicamente em baixo. E hoje só um imbecil é que consegue manter a auto-estima em alta com esta ministra. Mas um imbecil não é, obviamente, um bom professor.

Eu, pessoalmente, para salvaguarda da minha saúde mental e por respeito a mim mesmo, já pedi licença sem vencimento de longa duração, depois de 25 anos de ensino e de 25 anos a escrever (ingloriamente) sobre a educação. Se a senhora ministra se der ao trabalho de analisar os resultados das minhas turmas em exames nacionais, a minha assiduidade, os meus conhecimentos, específicos e gerais, não poderá deixar de constatar que fui um bom professor. E não temo debater com a senhora ministra ou com qualquer dos seus secretários de Estado qualquer tema sobre a Educação e o estado a que isto chegou e que a senhora ministra ainda ajudou a agravar mais.

Os meus colegas mais optimistas acreditam que a senhora ministra, apercebendo-se do actual estado da Educação em Portugal, resolveu arranjar uma equipa ministerial, não para reformar o sistema, mas para o fazer ruir de vez. Se for assim, já cá não está quem falou e só me resta pedir-lhe uma coisa: não desista, senhora ministra! Mais um esforçozinho e o edifício vem abaixo!

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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