quinta-feira, maio 19, 2005

 

NÃO FUJAS AO FISCO, NÃO!

Não há hoje ninguém que não advogue, como uma das grandes medidas para o combate ao déficit, o aumento das receitas pela via do combate à evasão fiscal. Por sua vez, não há também ninguém que não defenda o pagamento das dívidas das empresas à Segurança Social como uma das medidas cruciais para evitar o colapso da própria Segurança Social.
Acontece que a maioria dos defensores destas medidas, por aquilo que eu oiço, está completamente a leste das inevitáveis consequências da sua implementação. Aliás, tenho a certeza absoluta que a esmagadora maioria daqueles que as defendem à boca cheia pelas mesas dos cafés seriam os primeiros a revoltarem-se contra os efeitos colaterais que as mesmas produziriam, se fossem aplicadas com o rigor necessário.
Quanto às dívidas das empresas à Segurança Social, era bom que todos estivéssemos conscientes de que, hoje em dia, uma percentagem muito significativa das nossas empresas só consegue sobreviver e manter-se em actividade em virtude de não pagar à Segurança Social. E por que é que não pagam? A resposta é muito simples e não tem nada a ver com as fantasias anti-capitalistas que ainda povoam a imaginação de muitos de nós: não pagam, pura e simplesmente, porque não podem. Por um lado, a nossa mão-de-obra não é qualificada e a sua produtividade é muito reduzida, por outro, os encargos das nossas empresas são muito pesados, tendo até em conta o facto de sermos um país periférico, com um mercado interno pouco estimulante e atulhado de produtos altamente competitivos (quer em termos de qualidade, quer em termos de preço), provenientes de outros países. Acresce que não temos uma tradição verdadeiramente capitalista. Com efeito, quanto a este aspecto, tanto o salazarismo como o socialismo pós-25 de Abril guiaram-se pela mesma cartilha, na medida em que elegeram sempre como seu principal inimigo o espírito capitalista da livre iniciativa. Hoje, em Portugal, ou se é funcionário público ou subsidiodependente. E ninguém pense que pode ser outra coisa. Empresários, no verdadeiro sentido da palavra, no que isso comporta de risco, de independência em relação ao Estado e de capacidade de iniciativa, são raríssimos.
Ora, nas actuais circunstâncias, temos de ter a consciência que obrigar as empresas a pagar as suas dívidas à Segurança Social implicará necessariamente a declaração de falência da maioria delas e a consequente subida em flecha do desemprego que poderá atingir números como em Espanha com a governação do socialista Filipe Gonzalez, onde o desemprego se chegou a aproximar dos 30%.
Mas este é um processo pelo qual teremos necessariamente de passar? Não duvido. Mas só espero que a esquerda folclórica que agora tanto reclama estas medidas, não seja depois a primeira a vir queixar-se do desemprego... Porque essa vai ser necessariamente a sua consequência imediata.
Quantos à evasão fiscal, também vejo toda a gente a olhar para cima, para os grandes... Ora, não são os grandes, nem os pequenos que fogem ao fisco. Os grandes porque não necessitam, uma vez que são protegidos pelas próprias leis; os pequenos porque não têm rendimentos que o justifiquem.
Quem foge então ao fisco? A classe média e média-baixa. Ou seja, os pequenos e médios agricultores, construtores civis e comerciantes (feirantes, incluídos), os que fazem biscates fora do horário normal de trabalho e aos fins-de-semana (professores - com as explicações -, pedreiros, mecânicos, pintores, electricistas, etc. etc.), os médicos, economistas, advogados, engenheiros e arquitectos que trabalham para as pessoas de menores rendimentos e que, como tal, prescindem dos recibos para não terem de pagar IVA, etc. etc. etc.
Tendo em conta os nossos baixos salários, é precisamente à conta destas actividades que não são declaradas ao fisco que a nossa classe média consegue tirar os rendimentos que lhe permitem manter uma vida digna e com alguma qualidade.
Ora, o combate à evasão fiscal irá afectar, sobretudo, os rendimentos da classe média. Veremos se depois consegue, sem eles, continuar a pagar as prestações das casas, dos carros e das férias que está a pagar a prestações, assim como os estudos dos filhos.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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