domingo, julho 03, 2005
LADRÕES EM FORMAÇÃO CONTÍNUA
O facto de apenas duas pessoas terem apresentado queixa aquando do «arrastão» da praia de Carcavelos é, só por si, mais grave do que o próprio «arrastão», porque revela o elevado grau de descrença do nosso povo na nossa justiça. E os apelos da polícia para que as vítimas apresentassem queixa apenas veio reforçar isso mesmo.
Com efeito, no actual estado a que as coisas chegaram, a polícia prestaria um melhor serviço público se tivesse convencido os dois desgraçados que apresentaram queixa a desistir da mesma, em vez de apelar à apresentação de mais queixas, como se as vítimas do «arrastão» não tivessem sido já suficientemente molestadas, para ainda se terem de sujeitar a uma violência maior.
Assim, se tivéssemos uma polícia verdadeiramente vocacionada para servir os cidadãos, no preciso momento em que foram apresentadas as duas queixas, o polícia de serviço devia estar preparado para prestar, de imediato, os seguintes esclarecimentos: em primeiro lugar, mesmo que sejam apanhados os ladrões, o que é muito pouco provável, o senhor (pode ter a certeza) nunca mais vai ver a sua carteira, nem o seu telemóvel; em segundo lugar, mesmo que eles fossem condenados a indemnizá-lo, o senhor nunca iria conseguir receber a indemnização, porque eles não têm nada em seu nome; em terceiro lugar, se está à espera que eles apanhem uma pena que os dissuada de voltar a fazer o mesmo, desimagine-se completamente: se forem menores, são inimputáveis; se forem maiores, o mais que lhes sucede é serem condenados ou numa pena de multa ou em trabalho a favor da comunidade. Se forem condenados a trabalho em favor da comunidade, não vão pura e simplesmente cumpri-lo, porque a instituição que os receber prefere fingir que eles lá estão a trabalhar do que lá os ter efectivamente; se foram condenados em multa, lá vai mais um desgraçado ficar sem carteira para eles a poderem pagar. E como em cada cem assaltos, apenas há um tontinho como o senhor que apresenta queixa, a actividade de assaltante é hoje altamente lucrativa. Finalmente, é bom não esquecer que o senhor e as suas testemunhas vão perder tantos dias de trabalho para coisa nenhuma que, quando chegar ao fim do processo, já está na disposição de dar ao assaltante mais outro telemóvel e outra carteira só para se livrar do labirinto em que se meteu.
Esta é, aliás, a principal razão por que os assaltantes da linha de Sintra, apesar de saberem que estão a ser filmados, actuam com a cara descoberta… Eles sabem perfeitamente que o mais que arriscam é um passeio de automóvel ao Tribunal para conhecer o juiz e apresentar-lhe cumprimentos.
Além disso, obrigar a polícia a andar armada, quando não podem fazer uso da arma, acaba por se tornar numa vantagem decisiva para o meliante. Como todos sabemos, a única forma de um polícia apanhar um ladrão é correr mais do que ele. Ora, neste contexto, as armas acabam por se tornar um empecilho, ao dificultar a corrida ao polícia. Acresce que o facto de o polícia andar armado pode levar este, na sua ingenuidade, a parar para apontar a pistola e gritar: «alto, se não disparo!», o que só irá, na prática, fazer com que o ladrão ainda ganhe mais avanço.
Sejamos honestos: em relação à segurança, há um aspecto que pode ser resolvido de imediato e outro que apenas pode ser amenizado, muito lentamente, mas nunca resolvido. Com efeito, por muita boa vontade que haja, não é possível garantir, por exemplo, um salário de três mil euros a um indivíduo que só tem habilitações para trabalhar nas obras, como servente. Agora é perfeitamente possível tomar medidas legislativas (criminais e de reforço da autoridade das polícias) que façam sentir ao jovem que quer um telemóvel que é preferível trabalhar para o comprar do que roubá-lo.
Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha
Com efeito, no actual estado a que as coisas chegaram, a polícia prestaria um melhor serviço público se tivesse convencido os dois desgraçados que apresentaram queixa a desistir da mesma, em vez de apelar à apresentação de mais queixas, como se as vítimas do «arrastão» não tivessem sido já suficientemente molestadas, para ainda se terem de sujeitar a uma violência maior.
Assim, se tivéssemos uma polícia verdadeiramente vocacionada para servir os cidadãos, no preciso momento em que foram apresentadas as duas queixas, o polícia de serviço devia estar preparado para prestar, de imediato, os seguintes esclarecimentos: em primeiro lugar, mesmo que sejam apanhados os ladrões, o que é muito pouco provável, o senhor (pode ter a certeza) nunca mais vai ver a sua carteira, nem o seu telemóvel; em segundo lugar, mesmo que eles fossem condenados a indemnizá-lo, o senhor nunca iria conseguir receber a indemnização, porque eles não têm nada em seu nome; em terceiro lugar, se está à espera que eles apanhem uma pena que os dissuada de voltar a fazer o mesmo, desimagine-se completamente: se forem menores, são inimputáveis; se forem maiores, o mais que lhes sucede é serem condenados ou numa pena de multa ou em trabalho a favor da comunidade. Se forem condenados a trabalho em favor da comunidade, não vão pura e simplesmente cumpri-lo, porque a instituição que os receber prefere fingir que eles lá estão a trabalhar do que lá os ter efectivamente; se foram condenados em multa, lá vai mais um desgraçado ficar sem carteira para eles a poderem pagar. E como em cada cem assaltos, apenas há um tontinho como o senhor que apresenta queixa, a actividade de assaltante é hoje altamente lucrativa. Finalmente, é bom não esquecer que o senhor e as suas testemunhas vão perder tantos dias de trabalho para coisa nenhuma que, quando chegar ao fim do processo, já está na disposição de dar ao assaltante mais outro telemóvel e outra carteira só para se livrar do labirinto em que se meteu.
Esta é, aliás, a principal razão por que os assaltantes da linha de Sintra, apesar de saberem que estão a ser filmados, actuam com a cara descoberta… Eles sabem perfeitamente que o mais que arriscam é um passeio de automóvel ao Tribunal para conhecer o juiz e apresentar-lhe cumprimentos.
Além disso, obrigar a polícia a andar armada, quando não podem fazer uso da arma, acaba por se tornar numa vantagem decisiva para o meliante. Como todos sabemos, a única forma de um polícia apanhar um ladrão é correr mais do que ele. Ora, neste contexto, as armas acabam por se tornar um empecilho, ao dificultar a corrida ao polícia. Acresce que o facto de o polícia andar armado pode levar este, na sua ingenuidade, a parar para apontar a pistola e gritar: «alto, se não disparo!», o que só irá, na prática, fazer com que o ladrão ainda ganhe mais avanço.
Sejamos honestos: em relação à segurança, há um aspecto que pode ser resolvido de imediato e outro que apenas pode ser amenizado, muito lentamente, mas nunca resolvido. Com efeito, por muita boa vontade que haja, não é possível garantir, por exemplo, um salário de três mil euros a um indivíduo que só tem habilitações para trabalhar nas obras, como servente. Agora é perfeitamente possível tomar medidas legislativas (criminais e de reforço da autoridade das polícias) que façam sentir ao jovem que quer um telemóvel que é preferível trabalhar para o comprar do que roubá-lo.
Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha