quarta-feira, novembro 23, 2005

 

EM ROMA SÊ ROMANO

Com a queda do muro de Berlim, o mundo ocidental respirou fundo e adormeceu tranquilo, convencido da impossibilidade de alguém poder pôr em causa, no século mais próximo, a sua segurança e o seu bem estar físico e psicológico. Sendo certo que o muro de Berlim ruiu sem que a Europa ocidental tivesse contribuído, por aí além, para esse evento. Com efeito, o muro desmoronou-se quando Ronald Reagan, contra todas as vozes apocalípticas que se ergueram e manifestaram na Europa, anunciando o fim do mundo, decidiu encostar o ombro ao muro para ver se aquilo era assim tão resistente como se apregoava. Não era.

E foram precisamente os mesmos que, antes, diabolizaram Reagan e a América que, derrubado o muro, saíram dos seus covis para exultar com o fim da guerra fria, anunciando um século de paz e prosperidade para toda a gente. A Europa é hoje formada maioritariamente por esta gente sem coragem e sem carácter que se esconde atrás de um falso pacifismo para esconder a sua cobardia, porque pensa que é apaparicando os seus inimigos que consegue ir mantendo as suas mordomias.

Como já devem ter reparado, hoje quase toda a gente é de esquerda. Da tal esquerda não praticante, bem entendido, que gosta de falar dos pobrezinhos e dos excluídos para aliviar a consciência e ajudar a digestão. E hoje em dia, não há melhor digestivo para um requintado banquete do que as preocupações sociais. Mas como eu escrevi há sete anos e volto a repetir agora, «quem quiser continuar a ser anti-fascista não pode ser de esquerda. Porque esta esquerda mole, lassa, barriguda e viscosa que se reproduz nos órgãos de comunicação social e engorda nas repartições públicas, é a mãe de todos os fascismos. E, quer se queira, quer não, pais e filhos são tudo gente da mesma família».

Escrevi isto a propósito do fenómeno do crescimento dos partidos fascistas e neo-nazis na Europa, originado pela permissão da criação de autênticos enclaves em território europeu formados por comunidades de imigrantes (sobretudo islâmicos) que se regiam por leis próprias, muitas das quais ofendiam abertamente a sociedade livre, democrática e laica onde estavam inseridas.

O que está a suceder hoje em França é a consequência natural desta cegueira colectiva, sendo certo que o pior cego é aquele que não quer ver. É, por isso, natural que aqui em Portugal, um dia depois do arrastão de Carcavelos, os “cegos que não querem ver” tivessem saído à rua para demonstrar que afinal os culpados foram os polícias que, fazendo alarde ao seu subconsciente colonialista, resolveram carregar sobre um grupo de negros que não teve outra alternativa do que desatar a correr pela praia, levando consigo tudo o que apanhavam.

Em França, os Louçã e os Soares lá do sítio também se convenceram que resolviam o problema, culpando os polícias que tinham perseguido os dois larápios que morreram electrocutados por terem decidido esconder-se onde não deviam. Que ingenuidade a sua! Trouxeram o cavalo de Tróia para dentro das nossas muralhas e agora pensam que é com falinhas mansas que conseguem travar o saque e a pilhagem.

Não é, pois, de estranhar que os habitantes de Tróia (ou seja, da Europa), ao verem os seus lideres a tremer de medo e incapazes de enfrentar os invasores, comecem a dar ouvidos aos lideres populistas que lideram os partidos neo-nazis e fascistas. É no que dá o multiculturalismo e as lideranças frouxas.

Não se entenda com isto que sou contra os imigrantes. Eu sou é contra o multiculturalismo e todas as políticas que lhe estão adjacentes. «Em Roma sê romano». É este o princípio que deve ser seguido. Cabe aos imigrantes adaptarem-se à nossa cultura, leis e hábitos e não o contrário. Ponto final.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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A insurreição da falsa segunda geração



A explosão juvenil de Maio de 1968 surpreendeu a maior parte da população, com a excepção de alguns especialistas da vida universitária que já tinham registado a existência de um aborrecimento – no século XIX ter-se-ia falado de tédio –, termo excelente para personagens de Eça de Queirós que gastavam alegremente nas grandes cidades os rendimentos duramente assegurados por camponeses analfabetos. Também é verdade que neste dois séculos Paris desempenhou sempre um papel central, elaborando as ideias e mobilizando as hostes guerreiras. Registemos a linha de continuidade que vai de Babeuf aos communards (1871), antes de bifurcar para o Front Populaire, que teve na exaltação de Maio de 1968 o seu ponto mais extremo.


Esta recente insurreição parisiense diverge profundamente daquela que mitificou Maio de 1968, não só devido aos grupos que a provocaram, mas também pelo seu projecto. Em Maio de 68 os jovens pretendiam libertar-se da tutela paterna, obtendo mais "argent de poche", assim como autorização para sair de casa e instalar-se de maneira independente, única maneira de alcançar a idade adulta, assegurando a realização sexual, pondo de lado as prostitutas profissionais. Liberdade de espaço e liberdade de corpos, tal podia ser a síntese dessas operações que já se inscreveram no panteão mítico das grandes revoluções parisienses. Com um acrescento muito significativo: não houve mortos, mau grado os "pavés" e as granadas disparadas pelos CRS – Compagnies Républicaines de Sécurité.


Os media franceses andam a oferecer ao mundo inteiro uma preparação ideológica difícil de engolir: as operações de saque e destruição registadas em Paris possuiriam características particulares que podiam explicar a evidente impotência das autoridades policiais. Convém pôr de lado estas tretas manipuladoras, pois a verdade é que toda a gente que vive nos arrabaldes há muito renunciou a regressar no último comboio, pois ou podia ser roubada no comboio, ou podia sê-lo numa das ruas da cidade do destino. E quantas mulheres não foram já violadas nos comboios, sem poder contar com a assistência dos funcionários da Companhia, eles próprios cheios de medo até certo ponto justificado.


O mesmo se regista em relação aos automóveis que neste últimos anos ardem praticamente todas as noites, a ponto de Estrasburgo se ter tornado a cidade onde a destruição dos automóveis adquiriu um sentido ainda mais iniciático. No fundo, queimar o automóvel visa dois objectivos: o primeiro diz respeito à situação destes adolescentes dos bairros periféricos, que não tiram carta mas conduzem os carros roubados. Muitas vezes, estas operações: roubo, perseguição, prisão ou acidente, acabam por provocar a morte dos perseguidores – mais raramente – ou dos perseguidos – mais corrente e encarada como um custo normal destas operações, que abrem caminho para o falso heroísmo, segundo objectivo procurado.


Muita gente procurou já definir esta situação de pré guerra-civil como o resultado da inadequação dos jovens, magrebinos ou africanos, com algumas figuras de outras emigrações, como os portugueses e os espanhóis às condições existenciais. Esta circunstância já levou muita gente, incluindo os próprios arquitectos, imitadores nem sempre felizes da "Cidade Radiosa" de Le Corbusier. O universo concentracionário impôs a sua rusticidade e estas barras ou estas torres que servem sobretudo para desumanizar. Os gestores da sociedade francesa quiseram preferencialmente impor aos emigrantes a disciplina dos espaços fechados à chave, esquecendo que as cidades foram feitas para assegurar o dinamismo dos homens, fornecendo-lhes um habitat harmonizado com a cultura, sabendo que só pode haver natureza dinâmica quando associada à cultura.


Entalados entre o centro da cidade e a periferia, os especialistas da administração interna estão em vias de linchar os dois responsáveis reconhecidos: no caso dos árabes e de uma grande parte dos africanos, a responsabilidade caberia à poligamia que tem sido praticada com regularidade – e não sei se com proveito – por alguns milhares de trabalhadores. Ou seja, aquilo que os missionários não tinham conseguido impor em África – a monogamia – seria agora uma consequência secundária dos motins. Se, como se diz, Deus escreve por linhas tortas, podemos enviar-lhe telegramas de felicitações: a poligamia dos bairros problemáticos começou a acabar.


Havendo sobretudo a registar a insistência com a qual foram denunciados os emigrantes da segunda geração. Esta classificação depende sobretudo dos sociólogos que a partir dos anos 60 começaram a trabalhar neste bairros para as instituições – como a DATAR – assumindo o encargo de gerir estas concentrações de trabalhadores, que decididos a poupar, preferiram as casotas dos biddonvilles aos apartamentos dos HLM. Os portugueses também aí se instalaram nos primeiros anos da emigração, mas não tardaram a optar pelo habitat normal, sendo hoje os felizes proprietários dos "pavillons" que tinham assegurado a promoção social dos próprios franceses sobretudo depois da primeira guerra mundial.


A enorme massa de imigrantes pedidos – ou exigidos – pelas actividades de produção, que reclamou sempre a importação de milhares de trabalhadores. A administração francesa decidiu durante muitos anos assegurar a legalização destes milhares e milhares de trabalhadores, como se verificou no caso dos portugueses que o salazarismo quis manter aos campos, pois eram poucas as cidades. Todos esperavam trabalho: tiveram-no, quase sempre mal pago. Estão agora reformados muitos desses trabalhadores cujos filhos – a famosa segunda geração – denunciam a maneira aviltante como são expulsos das grandes cidades, para se verem encurralados entre torres e barras, praticamente sem perspectivas. Multiplicam-se CRS e polícias, mas falta nestas urbanizações o fermento da esperança.


A população francesa habituou-se a desprezar os "frères" da segunda geração, que desta vez explodiu de maneira mais global, embora recorrendo sempre às mesmas técnicas; situação que autorizou Nicolas Sarkozy – nome de boa origem polaca – a mandar prender a torto e a direito, não hesitando também em dar ordens para o recurso à violência, como se estes descendentes de imigrantes não fossem o que realmente são: franceses ávidos de justiça, esperando que esta funcione de acordo com a temperatura humana. E quem melhor do que estes desajustados do processo urbano será capaz de reinventar a humanidade que a revolução industrial pôs em perigo.
 
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