quarta-feira, novembro 09, 2005

 

O NOSSO FREI TOMÁS

A campanha desencadeada pelo Governo contra as diferentes classes profissionais, a coberto de uma imprensa amestrada e incompetente, para além de ser injusta, é profundamente imoral.

Não questiono obviamente, como já por diversas vezes referi, a necessidade de todos nós fazermos alguns sacrifícios e termos de ver sacrificados alguns direitos adquiridos. Mas uma coisa é cada um de nós ter de perder direitos adquiridos para ajudar o país a sair do buraco em que a incompetência de sucessivos Governos o enterrou; outra coisa, completamente diferente, é nós assistirmos à expropriação, pelo Governo, de direitos adquiridos como se fossem privilégios absolutamente ilegítimos e que tivessem sido roubados a alguém.

E a diferença faz todo o sentido. Porque, enquanto, no primeiro caso, aquilo que é retirado a cada classe profissional é entendido como um direito legítimo mas que tem de ser sacrificado por causa da conjuntura; no segundo caso, pelo contrário, os direitos são retirados, não por necessidade da conjuntura, mas porque eles mesmos são ilegítimos. Ou seja, se, no primeiro caso, se pede um sacrifício às diferentes classes profissionais, no segundo, põe-se ostensivamente em causa a dignidade e a idoneidade moral da própria classe profissional a quem se exige o sacrifício.

E como se tudo isto não bastasse, ainda temos de assistir a toda uma trupe de jornalistas, analistas e comentadores a atiçar as massas populares contra as diferentes classes profissionais, como se tivessem sido estas (e não os sucessivos governantes e deputados da Nação) a enterrar o país no buraco onde se encontra.

A forma como o Governo e jornalistas se aliaram para vergar os juizes (os professores esses já vivem vergados por natureza...) é, de facto, bem elucidativa do seu modus operandi.

Quando se trata de lhes retirar direitos, José Sócrates, o Ministro da Justiça e os jornalistas falam dos juizes como sendo uma corporação; quando se trata de os impedir de fazer greve, passam a ser considerados órgão de soberania. Era impossível haver maior cinismo nesta dualidade de tratamento.

«Imaginem se o Governo ou a Assembleia da República (os outros órgãos de soberania) também fizessem greve», argumentava, ainda esta semana, António Barreto, no “Público”, para demonstrar a ilegitimidade da greve dos juizes. Só que esta suposição revela um cinismo impressionante. Dêem aos juizes a possibilidade de estabelecer os seus vencimentos, direitos e privilégios, como acontece com os políticos que nos governam e que lêem o jornal na Assembleia da República, e verão que os juizes também deixarão de fazer greves.

Acresce que o Governo e a maioria parlamentar não têm a mínima autoridade moral para exigir a quem quer que seja sacrifícios, quando não só mantêm, para os ministros e funcionários dos Ministérios, sistemas alternativos de saúde como também pelo facto de terem retido (escandalosamente) a lei que põe termo aos privilégios dos políticos para permitir que os autarcas agora eleitos ainda beneficiassem com ela.

Ou seja, o corte dos direitos das diferentes classes profissionais entra em vigor de imediato, enquanto o corte dos privilégios escandalosos dos políticos só se aplica aos eleitos nas próximas eleições, ou seja, daqui a quatro anos. Se é que alguma vez se vem a aplicar. Sabendo nós o que a casa gasta, o mais certo é, daqui a quatro anos, o Governo considerar que já não é necessário pedir mais sacrifícios e, consequentemente, revogar a lei que acabava com os privilégios dos políticos.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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