domingo, dezembro 18, 2005

 

ALUNOS OU BURROS DE CARGA?

As recentes medidas da Ministra da Educação (aulas de substituição, aulas apoio e outras actividades não lectivas) colheram o aplauso unânime da sociedade portuguesa, à excepção dos professores, o que ainda reforçou mais a convicção de que, pela primeira vez, havia uma ministra com coragem para impor as medidas necessárias para tirar o nosso sistema educativo do buraco onde o enfiaram. Infelizmente, apesar da tão elogiada coragem da ministra, as medidas são tudo menos inteligentes, o que, aliás, se encaixa perfeitamente no nosso irracional sistema de ensino. E é fácil de perceber porquê.

Nos últimos trinta anos, a escola foi usada, pelos sucessivos governos, para dar emprego ao maior número de pessoas, designadamente, professores, muitos dos quais sem quaisquer qualificações. Acontece que, findo o crescimento inicial provocado pela massificação do ensino e o alargamento sucessivo da escolaridade obrigatória dos 4 para os 9 anos, começou-se a assistir a um decréscimo da população escolar, em geral (em virtude da baixa natalidade), e em escolas do interior, em particular (em virtude da deslocação das populações para os grandes centros urbanos). Ou seja, começou a haver, nalguns casos, mais professores do que alunos e, às vezes, nem mesmo alunos havia.

Como é que os governos resolveram a situação? Muito facilmente: aumentando a carga horária dos alunos e o número das disciplinas obrigatórias. Consequentemente, deixaram os professores de ser contratados por causa dos alunos e passaram estes a ser obrigados a ter mais horas de aulas e mais disciplinas para dar trabalho aos professores. E com isto caiu-se numa situação absolutamente absurda e insustentável. Hoje um aluno do 12º ano, tem mais 6 disciplinas e mais 25 horas de aulas do que há vinte anos; um aluno do 10º e 11º anos, tem mais 3 disciplinas e o dobro das horas de aulas; e um aluno do básico tem mais 6 disciplinas e mais 14 horas de aulas. Hoje, chegámos ao absurdo de ter alunos com 44 horas lectivas por semana e 15 disciplinas (e a ministra já fala numa 16ª disciplina: a Educação para a Saúde).

Com esta carga horária, as medidas agora propostas pela ministra (que, há vinte anos, seriam absolutamente adequadas, como eu defendi na altura) vão funcionar, precisamente, como a tal sardinha a mais que vai fazer com que o burro (= os alunos) não aguente o peso das caixas de sardinhas (= carga horária) que o dono (= Ministério da Educação) lhe colocou sobre o lombo.

É óbvio que todos os ministros que passaram pelo Ministério da Educação sabem isto muito bem, assim como os sindicatos. Basta dizer que todas as reformas educativas levadas a cabo nos últimos vinte anos partiram sempre deste pressuposto: a necessidade imperiosa de reduzir a carga horária dos alunos. Só que, quando chega a altura de pôr as reformas em prática, todas elas acabam por aumentar a carga horária, em vez de a diminuir, como se propunham inicialmente. Ou seja, os sucessivos governos, quanto à política educativa, na hora da verdade, privilegiam sempre o aspecto político, sacrificando o educativo.

E as medidas da ministra vêm, precisamente, na mesma linha de pensamento dos seus secretários de Estado (a escola actual é, aliás, o reflexo das suas teorias mal digeridas): prolongar a escola primária até ao 12º ano e funcionalizar a profissão de professor, pressionando os melhores a abandonar o sistema e transformando-o, a prazo, num funcionário servil, ignorante, medíocre e mal pago (qual é o bom professor, médico ou juiz que consegue viver, em regime de exclusividade, com mil euros por mês?).

Porque, se a sua vontade fosse mesmo melhorar a qualidade de ensino, a disciplina nas salas de aula e combater o insucesso e o abandono escolar, tinha necessariamente de começar por impor a redução dos horários lectivos dos alunos: 20-24 horas semanais e 6 disciplinas para o secundário e 28-30 horas semanais e 9 disciplinas para o básico. Em seguida, devia criar as turmas de nível. Finalmente, devia obrigar os professores que leccionassem a ser bons professores, avaliando os resultados das suas turmas e a qualidade das suas aulas (sem se preocupar como e onde preparam as aulas ou onde estudam – são maiores e vacinados) e aos restantes professores obrigá-los a dinamizar as actividades não lectivas, a fazer o acompanhamento dos alunos e a dar-lhes apoio fora das horas lectivas.



Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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