quinta-feira, dezembro 22, 2005
A QUEDA DO MURO DA JUSTIÇA
A mediatização da Justiça acabou por ter sobre o sistema judicial o mesmo efeito da queda do Muro de Berlim sobre o sistema soviético. Se bem se recordam, até aqueles que sempre apregoaram as fragilidades do sistema soviético ficaram admirados com a miséria que por lá grassava.
Com o sistema judicial passou-se algo semelhante, na medida em que a mediatização da Justiça acabou por revelar publicamente um sistema burocrático, moroso, injusto e incapaz de garantir e inspirar ao cidadão comum aquele mínimo de confiança exigível num Estado de Direito democrático que se preze.
A revelação foi aterradora para a maioria dos cidadãos (só não foi para quem vive no sistema e que, por isso, já sabia o que a casa gastava), ao constatarem que, afinal, vivemos em plena lei da selva. Ou melhor, entregues aos bichos, porque, na selva, sempre existem algumas regras coerentes e que qualquer pessoa inteligente é capaz de entender.
Acontece que, quando as mazelas das nossas instituições são exibidos em público com esta brutalidade, há sempre a tendência dos nossos governantes se porem a fazer leis para transmitir ao cidadão eleitor a sensação de que, finalmente, o Governo está a tomar medidas para resolver a situação. Em regra e infelizmente, a emenda é quase sempre pior do que o soneto. E por uma simples razão: porque o verdadeiro mal não está nas leis, mas nos homens que as executam, as fazem e a quem elas se destinam.
E, se têm dúvidas quanto a isto, basta fazer uma simples experiência num dos próximos fins-de-semana. As leis do futebol não são iguais em Inglaterra, Espanha e Portugal? Então, experimentem ver um jogo de futebol do campeonato inglês, espanhol e português e comparem o nível de eficácia e de objectividade, o ritmo de jogo, a lealdade dos intervenientes, a duração do tempo real de jogo, as causas das pausas e tempos mortos. Em seguida, comparem as declarações dos técnicos e dirigentes, no final do jogo. Finalmente, leiam as análises ao jogo e os destaques nos jornais desportivos dos respectivos países.
Ora, o nosso futebol é o espelho do país que somos.
Com efeito, no nosso País, seja no estádio, no Tribunal, na Repartição Pública ou na Escola, os nossos comportamentos e atitudes são sempre os mesmos:
1) a mesma falta de eficácia, objectividade e ambição (já viram por quantos jogadores tem de passar a bola, em Portugal, para chegar à baliza? E depois é sempre tudo feito devagar e devagarinho, com as equipas incapazes de correr riscos, jogando sistematicamente para o empate);
2) o fingir que se joga e não joga (isto é, que se trabalha e não trabalha);
3) a utilização sistemática de expedientes dilatórios e a esperteza saloia (a demora na reposição da bola em jogo, a simulação de faltas, de lesões e de doenças, as tentativas de corrupção...);
4) a mesma tolerância e protecção por parte de quem tem o poder relativamente aos que utilizam métodos desonestos (quer os árbitros, quer a própria Federação e Liga, quer os próprios adeptos, são manifestamente tolerantes e coniventes com o anti-jogo e com os comportamentos anti-desportivos, como é o caso da simulação faltas e de lesões, da demora nas reposições da bola em jogo e da gestão dos cartões amarelos);
5) o mesmo sectarismo e falta de isenção (a nossa equipa anda sempre a ser perseguida);
6) a protecção sistemática dos grandes (são os mais beneficiados, só os grandes são notícia e um erro cometido contra um grande é um escândalo nacional que afecta a própria imagem do árbitro, o que o condiciona);
7) as desculpas "esfarrapadas" da mediocridade do nosso desempenho (a falta de condições é o argumento mais utilizado...);
8) e, por fim, o atirar as culpas dos maus resultados para cima dos árbitros ou do sistema (nós somos sempre os únicos que não temos culpa nenhuma).
Quando um povo é assim, não há lei que resista, por muito boa que seja. Como certamente sabem, a lei que permitia o adiamento das audiências com base no atestado médico tinha sido copiada da lei alemã. Ora, se a lei era a mesma, por que razão, na Alemanha, são praticamente inexistentes os adiamentos das audiências com base neste fundamento? Será que os alemães são mais saudáveis do que os portugueses?
É óbvio que não se trata aqui de um problema de saúde, como todos nós sabemos, mas de uma questão de honestidade e de mentalidade. Pessoas desonestas existem em todo o lado. Também não é aqui que reside a diferença. A diferença reside apenas no facto de, na Alemanha e na Inglaterra, as pessoas honestas não pactuarem, nem serem coniventes ou tolerantes com a desonestidade, a incompetência e a preguiça, como nós, a todos os níveis, infelizmente somos.
Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha
Com o sistema judicial passou-se algo semelhante, na medida em que a mediatização da Justiça acabou por revelar publicamente um sistema burocrático, moroso, injusto e incapaz de garantir e inspirar ao cidadão comum aquele mínimo de confiança exigível num Estado de Direito democrático que se preze.
A revelação foi aterradora para a maioria dos cidadãos (só não foi para quem vive no sistema e que, por isso, já sabia o que a casa gastava), ao constatarem que, afinal, vivemos em plena lei da selva. Ou melhor, entregues aos bichos, porque, na selva, sempre existem algumas regras coerentes e que qualquer pessoa inteligente é capaz de entender.
Acontece que, quando as mazelas das nossas instituições são exibidos em público com esta brutalidade, há sempre a tendência dos nossos governantes se porem a fazer leis para transmitir ao cidadão eleitor a sensação de que, finalmente, o Governo está a tomar medidas para resolver a situação. Em regra e infelizmente, a emenda é quase sempre pior do que o soneto. E por uma simples razão: porque o verdadeiro mal não está nas leis, mas nos homens que as executam, as fazem e a quem elas se destinam.
E, se têm dúvidas quanto a isto, basta fazer uma simples experiência num dos próximos fins-de-semana. As leis do futebol não são iguais em Inglaterra, Espanha e Portugal? Então, experimentem ver um jogo de futebol do campeonato inglês, espanhol e português e comparem o nível de eficácia e de objectividade, o ritmo de jogo, a lealdade dos intervenientes, a duração do tempo real de jogo, as causas das pausas e tempos mortos. Em seguida, comparem as declarações dos técnicos e dirigentes, no final do jogo. Finalmente, leiam as análises ao jogo e os destaques nos jornais desportivos dos respectivos países.
Ora, o nosso futebol é o espelho do país que somos.
Com efeito, no nosso País, seja no estádio, no Tribunal, na Repartição Pública ou na Escola, os nossos comportamentos e atitudes são sempre os mesmos:
1) a mesma falta de eficácia, objectividade e ambição (já viram por quantos jogadores tem de passar a bola, em Portugal, para chegar à baliza? E depois é sempre tudo feito devagar e devagarinho, com as equipas incapazes de correr riscos, jogando sistematicamente para o empate);
2) o fingir que se joga e não joga (isto é, que se trabalha e não trabalha);
3) a utilização sistemática de expedientes dilatórios e a esperteza saloia (a demora na reposição da bola em jogo, a simulação de faltas, de lesões e de doenças, as tentativas de corrupção...);
4) a mesma tolerância e protecção por parte de quem tem o poder relativamente aos que utilizam métodos desonestos (quer os árbitros, quer a própria Federação e Liga, quer os próprios adeptos, são manifestamente tolerantes e coniventes com o anti-jogo e com os comportamentos anti-desportivos, como é o caso da simulação faltas e de lesões, da demora nas reposições da bola em jogo e da gestão dos cartões amarelos);
5) o mesmo sectarismo e falta de isenção (a nossa equipa anda sempre a ser perseguida);
6) a protecção sistemática dos grandes (são os mais beneficiados, só os grandes são notícia e um erro cometido contra um grande é um escândalo nacional que afecta a própria imagem do árbitro, o que o condiciona);
7) as desculpas "esfarrapadas" da mediocridade do nosso desempenho (a falta de condições é o argumento mais utilizado...);
8) e, por fim, o atirar as culpas dos maus resultados para cima dos árbitros ou do sistema (nós somos sempre os únicos que não temos culpa nenhuma).
Quando um povo é assim, não há lei que resista, por muito boa que seja. Como certamente sabem, a lei que permitia o adiamento das audiências com base no atestado médico tinha sido copiada da lei alemã. Ora, se a lei era a mesma, por que razão, na Alemanha, são praticamente inexistentes os adiamentos das audiências com base neste fundamento? Será que os alemães são mais saudáveis do que os portugueses?
É óbvio que não se trata aqui de um problema de saúde, como todos nós sabemos, mas de uma questão de honestidade e de mentalidade. Pessoas desonestas existem em todo o lado. Também não é aqui que reside a diferença. A diferença reside apenas no facto de, na Alemanha e na Inglaterra, as pessoas honestas não pactuarem, nem serem coniventes ou tolerantes com a desonestidade, a incompetência e a preguiça, como nós, a todos os níveis, infelizmente somos.
Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha