segunda-feira, janeiro 09, 2006

 

A ADVOCACIA E O BASEBOL

Quando estive, há uns anos atrás, em Toronto, tive a curiosidade de assistir a um jogo de basebol. Gostei do espectáculo mas, não fosse o resultado ter sido exibido no painel electrónico, nunca teria sabido quem tinha ganho o jogo. E não me perguntem quem foi o melhor jogador, nem se a equipa que ganhou mereceu ganhar ou se o árbitro teve influência no resultado porque, muito francamente, não saberia responder.

Na verdade, sem se saber e conhecer as regras de um jogo, ninguém é capaz de avaliar o trabalho de uma equipa, de um árbitro ou de um jogador, sendo muitas vezes levado a dar relevância a aspectos absolutamente irrelevantes.

Ora, um dos problemas de que enferma a nossa Justiça é precisamente este. Com efeito, a Justiça dos homens é um jogo de que o cidadão comum não conhece as regras. Por isso, não percebe, nem consegue avaliar o trabalho do advogado, sendo muitas vezes levado a atribuir méritos ao advogado por coisas que não resultaram directamente do seu trabalho (um processo que é arquivado na fase do inquérito, uma penhora que se atrasa, uma condenação que se adia fruto da morosidade do tribunal, etc.), a atribuir culpas aos magistrados por erros de palmatória dos advogados (acções deficientemente propostas, erros na contestação, não cumprimento de prazos, erros na produção da prova, etc.) ou a desvalorizar o papel do advogado nas causas que ganha e em que se julga com razão, como se o facto de ter razão, só por si, lhe desse vencimento na acção (que inocência!).

E não só não consegue avaliar o trabalho do advogado como não entende sequer a sua função, confundindo muitas vezes a idoneidade moral do advogado com a do seu cliente. Daí que, para o homem comum, um bom advogado nunca possa ser um homem sério ou íntegro, caso contrário como é que pode defender um criminoso ou um aldrabão?

Acresce que, ao ter uma ideia bastante distorcida sobre o trabalho do advogado e sobre a advocacia, o cidadão comum é levado, regra geral, a colocar sistematicamente muitas reticências à nota de despesas e honorários que lhe é apresentada pelo seu mandatário.

Grande parte dos portugueses (não é também por acaso que somos um país onde 60% da população é considerada analfabeta funcional) pensa que o trabalho do advogado se resume ao papel de intermediário entre o cliente e o tribunal, onde tudo se resolve com uma palmada no ombro do funcionário judicial, uma conversa no gabinete do juiz ou um discurso inflamado no dia da audiência. Aos papéis, à escrita e ao estudo, os portugueses, provavelmente por serem avessos a estas actividades, dão-lhes muito pouca importância. Para eles, o bom advogado é o da conversa fiada. E como o cliente desconhece o trabalho que o advogado tem de realizar desde o dia em que entrou no seu escritório até ao dia em que recebe a sentença, é levado a desvalorizar a sua actuação.

Esta situação tende a agravar-se na medida em que se vai proletarizando a profissão de advogado. Na verdade, ao transformar-se num centro de acolhimento de todos os desprotegidos do Direito, a advocacia acaba por se transformar numa selva, correndo o risco de vir a ficar, mais depressa do que se pensa, à mercê de pessoas pouco escrupulosas. Para mais num país que acredita, cada vez mais, que o único método verdadeiramente eficaz para alcançar os seus intentos é a cunha e o suborno.

Aliás, o recurso à televisão, para pressionar os tribunais a decidirem mais depressa o seu caso, vem precisamente nesta linha. E o que é um facto é que, infelizmente, a mediatização de um processo faz com que este se torne mais célere. Só que os tribunais, ao darem prioridade aos processos que são exibidos na televisão, acabam por reforçar a já enraizada convicção dos portugueses de que o sucesso na justiça depende, precisamente, da capacidade de pressão de cada parte.

Para o cidadão comum, justiça é uma coisa muita simples: quem deve tem de pagar; quem rouba tem de devolver o que roubou e ser castigado; quem maltrata os outros tem de ser castigado e de indemnizar, etc. etc.

E é isso que sucede nos nossos tribunais? Pois é, a nossa justiça é muito difícil de explicar ao cidadão comum.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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