quarta-feira, janeiro 25, 2006

 

“Soares é fixe”

“Soares é fixe”, disse-se dele. “Soares é fixíssimo”, diz ele dele próprio. Mas talvez seja ele, hoje, o único a acreditar verdadeiramente nisso. E a campanha, bem como o resultado de depois de amanhã, traduzem/irão traduzir isto mesmo: o político teve o seu tempo; o homem, coitado!
Há uma diálise interessante no fenómeno Mário Soares. O povo gostou e gosta do homem. É simpático, é afável, consegue passar na multidão e entrosar-se nela. Politicamente teve um estilo, uma forma, uma maneira única de se mexer no caldeirão das multidões. A ele se perdoa, e perdoou, mais que a qualquer outro: o povo reconhece-lhe, ainda, alguma mestria no que fez no passado. Mas teve os seus dias. Sim, teve. E a diálise é precisamente esta: Soares teve importância, Soares não tem importância. Soares é história, passado. Soares não tem futuro. Como qualquer homem, e saber reconhecê-lo é uma virtude, é finito, limitado. Passado, presente e futuro não são a mesma coisa. Coitado do homem!
Saber sair do palco ou de cena, neste como noutros casos, é um dom. Que uns têm e outros não. E tem tudo a ver com liderança. A liderança pode aplicar-se tanto ao processo/conceito de liderar como às pessoas/indivíduos que desempenham essa liderança. Mais, o processo de liderança encontra expressão em duas características particulares: 1) a característica da actualidade, i.e., aquela que confere uma direcção e assegura hoje um caminho, uma condução; 2) a característica do potencial, i.e., aquela que responde pela capacidade acumulada para liderar, para fazer futuro.
Warren Bennis, conceituado autor sobre liderança, acrescentaria a esta aproximação outras características. Um líder, segundo Bennis, deve ter: 1) Visão comprometida com os outros, i.e., capacidade de prever/fazer futuro e de pensar nas outras pessoas, levando-as consigo; 2) Capacidade de comunicação, i.e., clareza na transmissão das suas ideias e modelos e no que pretende para o futuro; 3) Confiança, i.e., assegurar que o caminho percorrido em busca da visão é consistente e correcto; 4) Criatividade e uso dessa criatividade.
As coisas da liderança, seja pelo actual versus potencial, seja pelas características apontadas por Bennis, apresentam um traço comum, transversal, a que se chama futuro. E o futuro, embora ninguém saiba muito bem o que é, nem como é, acaba por poder ser identificado com a porção de tempo que ainda está para vir, i.e., o lugar no espaço-tempo em que irão ocorrer os eventos que ainda não ocorreram. É no futuro que o homem se imagina e realizar os seus sonhos; é lá que ocorrem os fenómenos de felicidade, estabilidade, riqueza, saúde, entre tantos outros, que hoje - pelas mais diversas circunstâncias - cada qual não consegue ver ocorrer.
E foi aqui que Soares se enganou redondamente. Soares não está no imaginário futuro das pessoas, nos sonhos, por mais que o quisesse. Pode dizer-se que nada tem a ver com a idade do homem, mas tem. Porque a idade permite-nos aspirar, ou não, a um tempo maior ou menor do que estará por vir. Doa isto o que doer, e dói muito quando a idade avança, mas para efeitos de liderança conta o saber quando parar, o saber quando o homem se deve sobrepor ao político para viver o devir, por pequeno que seja, apenas enquanto homem.
Soares não soube fazê-lo. Depois de amanhã poderá ser recordado por muitas coisas, as que fez e as que deixou de fazer. Mas depois de amanhã passará, também, a ter direito a menos uma linha no seu currículo para a história: pode ter sido um político, mas nunca terá sido um líder. Porque os líderes têm que saber sair de cena quando o momento não é o deles. Coitado do homem!

José C. Car.

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