quarta-feira, janeiro 11, 2006

 

UM PAÍS DE GENTE TONTA

Quando ouço professores, pais, comentadores e políticos continuarem a eleger, publicamente, a falta de hábitos de trabalho como a principal causa do insucesso escolar e a necessidade dos trabalhos de casa como estratégia de remediação do problema, não posso deixar de rir às gargalhadas e concluir, forçosamente, que vivemos num país de gente tonta.

Com isto, não quero dizer que não considere essenciais os trabalhos de casa para sedimentar o conhecimento e as aprendizagens. Acontece que o nosso sistema de ensino pós-Roberto Carneiro e Ana Benavente foi estruturado para não haver trabalhos de casa. E das duas uma: ou reduzimos a carga horária dos alunos e o número de disciplinas e introduzimos os trabalhos de casa ou mantemos a actual carga horária e, pura e simplesmente, os trabalhos de casa devem ser banidos.

Com efeito, dar trabalhos de casa a alunos que têm mais 40 horas lectivas é não só revelador da total falta de sensibilidade do professor como de uma extrema crueldade para todos os alunos, sobretudo para os alunos mais desfavorecidos, que residem longe da escola e que não têm pais que lhes façam os TPC ou que paguem a um explicador para lhos fazer.

Exigir trabalhos de casa a alunos de 12, 13 e 14 anos que têm mais de 40 horas lectivas é absolutamente desumano, quando é certo que os professores têm apenas 22 horas lectivas, precisamente para poderem dedicar o resto do tempo aos seus trabalhos de casa e outras actividades escolares.

E se sindicatos, professores e Ministério da Educação não querem a redução da carga horária dos alunos (e todos sabemos porquê), então os trabalhos de casa devem ser proibidos, da mesma forma que não se exigiria a um professor que levasse trabalho para casa se o seu horário lectivo fosse igual aos dos alunos, ou seja, com mais de 40 horas lectivas.

Hoje, um aluno do ensino básico ou secundário entra às 8H30 e sai às 17H30, com uma hora para almoçar, o que significa, para muitos (em regra, os mais desfavorecidos), sair de casa às 7 horas da manhã e chegar à hora de jantar. Obrigar qualquer ser minimamente inteligente a fazer trabalhos de casa, depois de os ter obrigado a passar 9 horas seguidas na escola, fechados numa sala de aula a ouvir professores a debitar matéria, é uma violência só comparável a algumas praxes militares.

Trabalhos de casa, aulas de substituição e de apoio defendidas pela ministra e, por razões óbvias, pelos sindicatos dos professores (que, noutro contexto, seriam absolutamente adequados) são não só totalmente contraproducentes como anti-pedagógicos, na medida em que aumentam o caudal de tráfego numa estrada onde os alunos têm dificuldade em progredir precisamente porque a estrada está já totalmente congestionada de disciplinas.

É natural, pois, que os pais, como sucede cada vez com mais frequência, se substituam aos filhos e lhes façam os trabalham de casa ou paguem para alguém os fazer. Qual é o pai que não se condói de ver o filho a fazer trabalhos de casa até às duas da manhã (alguns deles de disciplinas que só servem para lhes ocupar inutilmente o tempo), quando sabe que o filho se tem de levantar no outro dia às 7H30?

Infelizmente nem todos têm pais que lhes sabem fazer os trabalhos de casa... E como o actual sistema não dá tempo aos alunos para os fazerem, sem a ajuda dos pais ou do explicador, quem não tem pais com dinheiro para o explicador ou com conhecimentos tem, forçosamente, de ficar pelo caminho.

O actual sistema de ensino, sob o pretexto de pôr em pé de igualdade pobres e ricos, criou, à boa maneira socialista, um sistema perverso onde os mais desfavorecidos não têm a mínima hipótese de competir, uma vez que não se lhes dá tempo para fazerem por si aquilo que os outros só conseguem fazer à custa dos pais.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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