quarta-feira, fevereiro 22, 2006

 

A INVASÃO DOS BÁRBAROS

«O mundo dá muita volta» diz o povo e com inteira razão. Quem me havia de dizer a mim, há 20 anos atrás, que me iria agora sentir tão envergonhado e arrependido por ter aceite ser mandatário concelhio de Freitas do Amaral, nas presidenciais de 86. Mário Soares, afinal, tinha razão quando encostou Freitas às cordas, no célebre debate das presidenciais de 86, a propósito do seu silêncio conivente com a ditadura. Na verdade, um homem que cresce e floresce à sombra tutelar de uma ditadura, indiferente ao sofrimento alheio, ao autoritarismo do regime e à falta de liberdade, ou é convictamente fascista ou, pura e simplesmente, tem um grande falta de carácter. O problema não é o silêncio em si, mas o que isso revela do carácter de uma pessoa. E só Deus sabe quanto me custa dar razão a Mário Soares, sobretudo no momento em que lhe atribuem a paternidade deste regime político apenas formalmente democrático, mas substancialmente corrupto e moralmente iníquo.

Não é, por isso, de estranhar que, no momento em que os fundamentalistas islâmicos, declaram guerra total ao Ocidente e aos nossos valores civilizacionais, Freitas de Amaral se mostre, uma vez mais, disposto a sacrificar tudo a troco de uma ilusória paz com os senhores da guerra orientais. E, por favor, não me venham com a conversa de que a razão não está só dum lado, ou seja, de que a violência contra os ocidentais é condenável, mas que a publicação das caricaturas também é, como se as duas coisas fossem sequer equiparáveis ou se pudessem meter no mesmo saco. Nestas alturas, mais dolorosa e nefasta do que a violência fundamentalista é o cinismo e a hipocrisia de quem inventa estas justificações para legitimar, no fundo, a violência fundamentalista contra os cidadãos e os países ocidentais.

Como é possível que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros gaste tanto latim a condenar a publicação, num desconhecido jornal dinamarquês, de uns cartoons vulgaríssimos (vulgaríssimos num país onde haja liberdade de expressão, obviamente) e não dedique uma única linha a condenar o assassinato do padre italiano por um jovem fundamentalista muçulmano?

(Que José Saramago justifique, publicamente, a violência muçulmana e defenda a censura, considerando que os Governos ocidentais deveriam proibir a publicação de cartoons deste género, ainda se compreende, até porque isso só vem demonstrar a sua grande coerência ideológica. O autor do “Evangelho Segundo Jesus Cristo” apenas não compreende que os cristãos e a Igreja católica não se revejam na sua obra...)

Mas não haverá, na Europa, ninguém capaz de defender abertamente e sem quaisquer complexos a civilização ocidental e a sua superioridade moral sobre regimes ditatorais que só conseguem sobreviver graças à miséria e ignorância em que fazem questão de manter os seus povos?

Como qualquer pessoa lúcida já percebeu, os cartoons não foram a causa desta onda de violência, foram apenas o pretexto. Para as ditaduras muçulmanas, as democracias ocidentais são, ao mesmo tempo, um perigo, na medida em que defendem um modelo de desenvolvimento que choca abertamente com a sua forma autoritária de exercer e manter o poder, e o inimigo externo necessário para manter o povo unido e esquecido da miséria em que vive.

Como nos ensinou Churchill, em tempo de guerra, a razão está só de um lado: do nosso lado. Qualquer concessão ou cedência neste campo, é abrir a porta à derrocada.

Infelizmente, Freitas do Amaral é, hoje, o espelho daquilo em que esta civilização do bem-estar nos transformou. Com efeito, na Europa, hoje só estamos dispostos a morrer de cirrose, overdose, acidente de viação ou vascular. E gente assim não tem qualquer hipótese de sobrevivência quando se defronta com gente para quem a vida não tem qualquer valor. De cedência em cedência até à derrota final. Perante a fúria do fanatismo muçulmano, os nossos governantes estão prestes a cair-lhes de joelhos aos pés, dispostos a oferecerem-lhes as mulheres, as filhas e as jóias com a única condição de lhes pouparem a vida. Hoje cada vez mais nos parecemos com os antigos romanos do período da decadência do império e os árabes com os bárbaros. Todos sabemos como terminou esta história...

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

Comments: Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?