quinta-feira, março 23, 2006

 

PONHAM-NOS A TIRAR BICAS!

A morte brutal, sádica e cruel do “sem-abrigo” no Porto por um grupo de jovens de 12 a 16 anos veio, mais uma vez, dar a oportunidade aos nossos expert em psicologia e pedadogia de explanar as suas doutas teorias de meia-tigela que são, em boa parte, responsáveis pelo estado de degradação a que isto chegou. Desta vez foram os chamados jovens de risco, desinseridos socialmente, com carências afectivas e sem consciência da ilicitude dos actos.

Mas, se o crime tivesse sido cometido por jovens de boas famílias, a conduta criminosa seria justificada pelos mesmos entendidos com o excesso de brinquedos, a grande permissividade e a cultura da facilidade em que os jovens certamente viveriam. De uma coisa podíamos ter a certeza, os únicos que não teriam qualquer culpa no crime cometido seriam precisamente os jovens que o cometeram.

Felizmente temos à frente da Confederação Nacional das Associações de Pais um pedagogo que conhece bem estes problemas e tem medidas concretas para os resolver. O jovem é um delinquente, mata, rouba, viola, vende droga? A solução é simples: pôr o jovem a tirar bicas no bar da escola.

Para um indivíduo pouco conhecedor das modernas doutrinas, como é o meu caso, esta solução, assim à primeira vista, podia parecer estapafúrdia mas basta raciocinar um bocadinho para constatar, de imediato, as suas virtualidades. Em primeiro lugar, o calor da chávena de café na mão do jovem delinquente acaba, em certa medida, por funcionar como uma compensação para a sua carência de calor humano, segundo o princípio “quem não tem cão caça com gato”. Em segundo lugar, bastava que os jovens que mataram o “sem-abrigo” estivessem no bar da escola a tirar bicas, para evitar que tão hediondo crime tivesse sido cometido.

É de pessoas como Albino Almeida que o nosso país precisa. Quantos crimes não se evitariam, se os criminosos estivessem, no momento do crime, a tirar bicas num bar qualquer?

E já que está em curso o processo de revisão do Código Penal, penso que o novo Código deveria prever expressamente esta pena, pelo menos, para os jovens delinquentes. Se bem que considere que seria sensato estendê-la a todos os criminosos porque, bem vistas as coisas, subjacente a todo o crime, há sempre, na infância de cada um, ou carências afectivas ou um excesso de afecto, ou falta de brinquedos ou excesso de brinquedos. E nisto de afectos todos sabemos quão difícil é dar a medida certa: um beijo a menos é carência, um abraço mais apertado é excesso. E como já demonstrámos, mesmo nos piores crimes, não há nada que uma bica bem tirada, no momento certo, não resolva.

Quanto às vítimas, se já estiverem a fazer tijolo, é como diz o povo (e as nossas leis): «não vale a pena chorar sobre leite derramado». Não era o nosso Marquês de Pombal que dizia: «enterrem-se os mortos e tratem-se dos vivos». Se, por acaso, tiverem tido a sorte de ficar vivas, só têm de dar graças a Deus por esse facto. Já não se podem queixar. Que mais é que querem? Os pontapés e os murros que levaram, esses já ninguém lhos tira e, se ficaram sem a carteira, essa também já ninguém lhes dá. Por isso, acendam mas é uma velinha ao seu santo protector por não lhe terem ido fazer companhia mais cedo do que julgavam.

Mas, no meio desta choldra em que vivemos, há um grupo que eu não posso deixar de admirar pela intuição que tem para pôr a nu as misérias das nossas leis. Refiro-me, obviamente, aos ciganos. Ainda o povo, em geral, não se tinha consciencializado da descriminalização do cheque sem provisão pós-datado e da inimputabilidade dos menores de 16 anos e já os cheques sem provisão pós-datados eram usados com inteira sabedoria e a propósito por esta gente e os seus filhos menores se abasteciam tranquilamente nas lojas perante a impotência dos donos. Só é pena que a maioria deles não ande na escola porque deviam ser uns autênticos especialistas a tirar bicas.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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