terça-feira, março 14, 2006

 

A QUESTÃO É SIMPLES

No editorial da revista Sábado da semana passada, podia ler-se o seguinte: «A questão é simples: o que é que os estudantes devem fazer quando não têm aulas? O Ministério da Educação acha que devem ter outras aulas de substituição ou então sessões de estudo, de esclarecimento de dúvidas ou de teatro ou trabalhos manuais, sempre acompanhadas pelos outros professores».

Com tanta simplicidade, estranha-se, no entanto, que o editorialista não tenha seguido o mesmo raciocínio simplista quando analisou as novas medidas propostas pelo Governo para a comunicação social, designadamente, a nova entidade reguladora da comunicação social que irá ter acesso livre às redacções, a revisão do Código Penal e o novo Estatuto dos Jornalistas.

O raciocínio a seguir devia ser o mesmo. A questão é simples: como é que se pode evitar que um jornal publique informação coberta pelo segredo de justiça? O Governo e o Ministro da Justiça acham que, nestes casos, o jornalista deve ser obrigado a revelar a fonte e condenado. Nada mais simples.

Acontece que, quando lhe tocaram na chafarica, o editorialista já não achou a coisa assim tão simples. Pelo contrário, indignou-se. Aqui d’El Rei que estão a atentar contra a liberdade de imprensa, que vem aí a censura, etc. etc.

Se o douto editorialista tivesse alguma humildade, deveria, pelo menos, ter pensado, antes de emitir as suas opiniões tão simplistas, que, se os professores estão contra as aulas de substituição, tal só podia significar que a questão não é tão simples, nem tão idílica, como é apresentada pelo Ministério da Educação, caso contrário os professores seriam os primeiros a estar de acordo.

Infelizmente, tal como os piores regimes políticos nasceram sempre das teorias mais paradisíacas, também na Educação, têm sido sempre as reformas que se apresentaram como mais idílicas aquelas que revelaram os piores resultados. E as aulas de substituição são acima de tudo uma estupidez no actual contexto do ensino básico e secundário e por várias razões: em primeiro lugar, porque os alunos têm uma sobrecarga lectiva muito para além do razoável; em segundo lugar, porque o modelo de ensino expositivo, ainda em voga nas universidades e que permitiria a substituição do professor sem grandes problemas, é totalmente desaconselhado pelo Ministério da Educação nas escolas do ensino básico e secundário; em terceiro lugar, porque debilitam ainda mais a já fraca autoridade dos professores ao colocá-los perante turmas e alunos que não dominam, nem conhecem e que dificilmente conseguem controlar (é bom não esquecer que a palmatória ainda continua arredada das nossas escolas); em quarto lugar, porque as escolas não estão apetrechadas para proporcionar alternativas à sala de aula para toda uma turma; etc. etc.

Moral da história: as aulas de substituição têm servido apenas para saturar os alunos, tornando-os ainda mais indisciplinados, e desgastar os professores, quando não para os enxovalhar, já que se torna muito difícil manter em silêncio trinta jovens de 12, 13, 14 ou 15 anos fechados numa sala sem fazer nada, porque não há nada que eles queiram fazer. E como é que um professor, que só vai estar aquela hora com eles e que, provavelmente, nunca mais os irá voltar a ver, os consegue obrigar a fazer o que quer que seja? A não ser que se regresse à palmatória...

Mas por que razão a senhora ministra não aplica esta medida ao ensino superior? Aí é que provavelmente a medida daria frutos, quer pelo facto de as aulas continuarem a ser expositivas (o que significa que ninguém notaria muito a mudança do professor), quer pelo facto de os alunos terem outra maturidade, quer pelo facto de terem uma carga lectiva muito aligeirada (comparativamente com os do ensino básico e secundário), quer pelo facto de passarem quase metade do ano de férias.

Quanto ao mais, pensar que o único que move professores, jornalistas, juizes, advogados, polícias, farmacêuticos, médicos, enfermeiros, etc. contra as medidas do Governo é, apenas e tão-só, os seus mesquinhos interesses corporativos é ter uma visão muito redutora da dignidade das diferentes classes profissionais. Não conheço, de resto, nenhum profissional que se preze que não coloque, no primeiro lugar da sua lista de preocupações, a qualidade do serviço prestado.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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