quarta-feira, abril 19, 2006

 

SIM E SOPAS

Ao assistir às manifestações violentas e em massa dos jovens franceses contra o lei do contrato do primeiro emprego, acabei por perceber a razão não só do nosso atraso mas também porque nunca havemos de sair dele. Nós somos uma espécie de franceses mas na versão mansa. Com efeito, tal como os franceses, também nós somos vítimas dos mesmos preconceitos ideológicos que nos impedem de resolver os nossos problemas.

Herdámos dos franceses a mesma queda para as letras (somos um país de poetas e intelectuais) e a mesma pouca queda para os números (a matemática e o raciocínio lógico nunca foram o nosso forte).

Mas, afinal, por que razão estão os jovens franceses radicalmente contra a nova lei do contrato do primeiro emprego? Porque a lei permite que o empregador despeça o jovem empregado, durante os primeiros dois anos do contrato, sem justa causa.

O que visa o Governo francês com esta nova lei? Apenas uma coisa: levar a que as empresas empreguem mais jovens. Em França, apenas 10% da população jovem está empregada. A oferta de emprego para jovens é extremamente reduzida, em virtude de as empresas preferirem, em regra, pessoas com mais experiência e maturidade.

Qual a solução? Obrigar as empresas a empregar jovens, está fora de hipótese, porque, nas economias de mercado, uma empresa emprega quem quer. Subsidiar as empresas que empreguem jovens também está cada vez mais fora de hipótese porque isso custa os olhos da cara aos contribuintes e os Estados europeus vivem em tempo de apertar o cinto.

A única solução é, precisamente, aquela que o Governo francês propõe: permitir às empresas que empreguem jovens poder despedi-los quando quiserem.

E porquê? Porque torna a oferta de emprego de jovens trabalhadores atractiva para as empresas. Como não ficam vinculadas a ter de lhe garantir emprego para toda a vida, a empresa deixa de ter razões para temer dar emprego a jovens trabalhadores, porque, caso não correspondam às suas expectativas ou a conjuntura económica não lhes permita manter-lhes o emprego, sempre os podem despedir a qualquer altura. Com esta lei, é mesmo natural que empresas familiares, a quem nunca lhes passaria pela cabeça empregar quem quer que fosse, venham a experimentar a dar emprego a algum jovem.

É claro que um jovem português ou francês, nascido no tal caldo de cultura ideológica que avalia as medidas pelos princípios teóricos que as enfermam e nunca pelos seus resultados práticos, é frontalmente contra tal lei. Ou seja, quer que as empresas empreguem mais jovens, mas não que os possam despedir quando quiserem.

Mas se as empresas não os puderem despedir quando quiserem, empregam-nos? É óbvio que não. Basta ver o actual panorama do emprego jovem em França. E o que é preferível: um jovem trabalhar, correndo o risco de ser despedido, ou um jovem não conseguir encontrar trabalho?

Por isso, quando vejo as manifestações violentas dos jovens franceses contra uma medida com a qual deviam ser os primeiros a regozijar-se, só me lembra aquela história dos africanos que cortaram o braço depois de terem sido vacinados.

Em Portugal, temos, pelo menos, a vantagem de os nossos governantes estarem também imbuídos do mesmo espírito que move os jovens franceses. É, por isso, que não acredito minimamente que este Governo seja capaz de impor as reformas necessárias para que o nosso país consiga sair da “cepa torta”.

O Governo vai, apenas e tão-só, limitar-se a fazer as reformas que a conjectura económica lhe impõe. Ou seja, face ao déficit, o Governo vê-se obrigado, por força das circunstâncias, a ter de cortar despesas, depois de ter esticado a corda ao máximo do lado da receitas (impostos directos e indirectos). Na verdade, sendo incapaz de cobrir as despesas com o aumento da receita, proveniente da brutal carga de impostos a que sujeitou os portugueses, o Governo não tem outro remédio senão fechar escolas, serviços, centros de saúde, maternidades, etc., no sentido de poupar alguma coisa. Mas este emagrecimento de Estado não é fruto da convicção e de um programa coerente de Governo mas apenas da necessidade provocada pela conjectura.



Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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