segunda-feira, maio 01, 2006

 

APELO AOS DEPUTADOS

Na última semana, a falta da maioria dos deputados ao Parlamento, inviabilizando a aprovação dos decretos governamentais em agenda, indignou os comentadores de norte a sul do país que viram, nessa atitude, o espelho da irresponsabilidade dos nossos eleitos, sobretudo num momento em que se lhes exigia que servissem de exemplo à Nação.

Ao contrário (como sempre) da opinião geral, acredito que esta debandada é apenas a consequência natural da consciencialização da sua inutilidade pela maioria dos nossos parlamentares e tenho esperança que a mesma sirva de exemplo a todos aqueles que são obrigados a estar no seu local de trabalho sem fazer nada.

Na verdade, se até os professores se indignam de ser agora obrigados a passar várias horas fechados numa sala sem fazer rigorosamente nada, para além de ler o jornal e fazer palavras cruzadas, como não se há-de sentir a maioria dos nossos deputados, encurralada várias horas na bancada parlamentar, sem, muitas vezes, ter sequer um jornal para ler? Além disso, não nos podemos esquecer que a intervenção da maioria dos nossos parlamentares se resume a levantar o braço no momento da votação, conforme determinado pela chefia do grupo parlamentar. Ou seja, nem sequer o gesto de levantar o braço comanda.

Ora, se a maioria dos deputados nem sequer manda no seu braço, a única parte do seu corpo verdadeiramente relevante para efeitos de actividade parlamentar, como se lhe pode exigir que troque um dias de férias algures de corpo inteiro pela presença de um braço na sessão parlamentar?

E não são os deputados os representantes do povo? E o que é que o povo faria e faz em situações idênticas?

Por outro lado, estou convencido de que a maioria dos deputados, apesar de não ter qualquer interferência ou responsabilidade na feitura das leis, não pode deixar de se sentir grandemente incomodada por ter de aprovar leis com as quais não pode deixar de estar em total desacordo. Isto, partindo do princípio, obviamente, que o facto de só se usar o braço não bloqueia o funcionamento da cabeça.

Em toda esta história, só o que achei verdadeiramente lamentável foi a tirada (a fazer lembrar o célebre Odorico) do Presidente da Assembleia da República sobre as sanções em que os deputados faltosos iriam incorrer caso não justificassem a sua falta, quando é certo que as sanções só são aplicadas se os deputados faltosos quiserem. Ou seja, se tiverem a honestidade de assumir que foram de férias. Porque, como todos nós sabemos (ou devíamos saber), para justificar a falta de um deputado, basta apenas a sua palavra. Ora, esperar um comportamento ético de quem tem o descaramento de assinar o livro de presenças e pôr-se ao fresco é, em boa verdade, pedir de mais…

Este episódio veio apenas confirmar aquilo que todos já sabíamos: que a única medida verdadeiramente reformadora do nosso sistema político e económico é não só a abolição do regime de faltas dos deputados mas sobretudo a imposição de pesadas sanções a todos aqueles que se atrevam a pôr o pé (ou melhor, o braço) no Parlamento.

Se não têm mais nada para fazer, vão fazer trabalho político para os futebóis, festas e arraiais. Mas, por favor, não ponham os pés (perdão, os braços) no Parlamento. Bem aventurados dias em que o Parlamento está fechado!


Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

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