domingo, junho 04, 2006

 

BOCAGE, MEU IRMÃO

No próximo domingo, dia 4 de Junho, às 15H30, vou apresentar, na Feira do Livro de Lisboa, o meu novo livro «Bocage, Meu Irmão». Trata-se de um livro de poesia satírica que pretende homenagear, no preciso momento em que se celebra o II centenário da sua morte, o Bocage inapagável das anedotas e da poesia satírica que se imortalizou no imaginário do povo português. E o tempo em que vivemos presta-se de sobremaneira à sátira. Como dizia Charlie Chaplin, «a vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe». E «Bocage, Meu Irmão» é o retrato fiel e, consequentemente, politicamente incorrecto de um país que dá vontade de rir, começando no primeiro-ministro e acabando em cada um de nós.

A concepção deste livro surgiu por acaso. Com efeito, tendo colocado a hipótese de a minha aversão aos surrealistas se basear no facto de não conhecer suficientemente a sua obra, decidi passar a primavera e o verão do ano passado a ler poesia surrealista, não só dos autores mais conhecidos mas também daqueles de quem nunca tinha ouvido falar. Para isso, abasteci-me de uma quantidade industrial de livros de diferentes autores (portugueses e estrangeiros) e de antologias. Durante mais de três meses, devorei dezenas de autores. Quando terminei a leitura, provavelmente influenciado pelo que li, só me ocorria à mente a única imagem que me ficou da primeira vez que a minha mãe me levou ao Jardim Zoológico de Lisboa: um gorila que fazia as delícias dos espectadores defecando na mão e atirando as fezes para cima destes, para seu grande gáudio e meu. E surgiu,assim, o soneto «Surrealista».

Por sua vez, ao escrever este soneto, lembrei-me do eterno Bocage, que conheci em Setúbal quando ainda não andava sequer na escola primária. «Bocage», disse-me o meu pai, «agarrou-se a uma argola daquelas em que se prendem os cavalos, começou a puxar e a dizer em voz alta: “Há-de sair! Há-de sair!”. As pessoas, vendo aquele enorme esforço, começaram-se a juntar para ver se Bocage conseguia arrancar a referida argola. Nisto Bocage dá um sonoroso traque e exclama aliviado: “Já saiu”». Para o meu pai, tudo o que metesse um traque era um fartote de rir. A partir daí, nunca mais pararam as anedotas de Bocage que passou a ser o meu herói.

Mesmo quando me mudei para Ponte de Sor, com nove anos de idade, após a morte do meu pai, o Bocage continuava a ser o herói de quase todas as anedotas. Até a minha avó, pessoa conservadora e extremamente educada, se ria com as anedotas do Bocage. Ainda recordo a primeira que me contou: «Bocage estava cheio de vontade de fazer as suas necessidades e não encontrou melhor lugar do que junto a uma casa de habitação. A dona da casa, que usava um toucado (como era moda do tempo), ao vê-lo a fazer as necessidades por baixo da sua janela, despejou-lhe um balde de água em cima, tendo Bocage reagido desta forma: “Ó senhora do toucado/ Já que tem a mão tão certa/ Venha buscar a oferta/ que ficou do baptizado.”»

No Colégio La Salle, aqui em Abrantes, Bocage continuava a ser o ídolo da juventude. Até que, no 7ºano (actual 11º), o meu professor de Português decidiu destruir esta imagem mítica do Bocage das anedotas, dando-nos a conhecer um poeta sem graça nenhuma, angustiado, carcomido pelos remorsos e que desejava morrer a toda a hora. Enfim, um chato (o professor e o Bocage).

Ora, no ano em que se celebrava o IIº centenário da sua morte, achei que devia ao Bocage da minha infância e que o meu professor de Português matou dentro de mim, a obrigação de ressuscitá-lo. Até porque o tempo que agora vivemos se presta a isso.

O actual Governo, confesso, foi uma grande fonte de inspiração, assim como o enlevo com que as suas medidas idiotas são recebidas, em regra, pelos nossos jornalistas, sempre prontos a descortinarem um halo de coragem onde só há arrogância, incompetência e propaganda.

Em homenagem ao Bocage, o livro é composto por sonetos (versos decassilábicos heróicos e rima consoante, salvo raras excepções) e cartoons de Bocage da autoria de Carlos Barradas. Por isso, já sabe, se tiver a oportunidade de ir à Feira do Livro de Lisboa, no próximo dia 4 de Junho, aqui lhe deixo uma sugestão para matar saudades do Bocage que conhecemos fora da escola.



Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

Comments:
Quaria só saber em que ano/anos frequentou o La Salle de Abrantes.

Nuno Rodrigues da Costa
(antigo aluno)
 
Eu também gostava de saber os anos
que frequentaram o colégio eu frequentei de 1970 a 1975
Eugénio Marques
 
Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?