sexta-feira, junho 23, 2006

 

O CHEFE SOU EU

(O futebol é o espelho de um país)

O futebol é, de facto, o espelho de um país. Não é, por isso, de estranhar nem as escolhas do seleccionador, nem a conduta do treinador. Num país onde os empregos se ganham mais por cunhas e amizades do que por mérito por que razão o critério das escolhas do nosso seleccionador para o Mundial havia de ser diferente? E se a maioria dos chefes e presidentes que pululam por esse país fora são arrogantes, autoritários e estão habituados a justificar as suas duvidosas escolhas com o argumento irrefutável de «O chefe sou eu», por que razão o nosso seleccionador havia de ser diferente? E se a maioria dos portugueses é invejosa e mesquinha, congratulando-se mais com o mal alheio do que com o bem próprio, por que razão se havia de indignar com o facto de a selecção ser usada descaradamente para afrontar o campeão nacional e a equipa europeia que nos últimos vinte anos mais títulos conquistou?

É, por estas e por outras, que o nosso país está condenado a morrer afogado nos seus odiozinhos de estimação e nas suas pequenas invejas.

A Itália é olhada, por quase toda a gente, com desconfiança, por estar conotada com esquemas mafiosos, escândalos e corrupção. No entanto, quando há alguns anos rebentou o célebre escândalo das apostas, o Milão desceu de divisão. E, neste momento, arrisca-se a suceder o mesmo à Juventus.

Ora, isto é impossível de suceder em Portugal. Neste país, as leis fizeram-se para ser aplicadas aos Gondomar, Farenses e Académicos de Viseu… Os grandes (sejam do futebol ou não), façam o que fizerem, estão sempre acima da lei. E ai de quem não perceber isto.

O futebol português reflecte tão bem o que se passa no resto do país que até os castigos são administrados no único e exclusivo interesse dos infractores. Os cartões amarelos, por exemplo, em vez de servirem para punir os infractores, são usados por estes a seu bel-prazer, segundo as conveniências dos clubes que servem. Até ao quarto cartão, é distribuir “fruta” com fartura, enquanto o quinto é pedido na véspera de um jogo de fraco interesse competitivo, com vista a limpar todos os cartões amarelos acumulados até aí. É, por isso, que, no nosso futebol e no resto, as nossas leis, elaboradas com tanto esmero e carinho, acabam quase sempre por servir precisamente fins opostos àqueles que pretendiam acautelar.

E, para o comum dos portugueses, o que é o “fair play”? É o jogo franco, leal, limpo? Mas tu és parvo ou quê? “Fair play” é a equipa adversária atirar a bola para fora quando o nosso jogador está estendido no chão a simular uma lesão com o único intuito de queimar o máximo de tempo de jogo possível. É a isto que, em Portugal, se chama “fair play”.

O nosso problema, como o nosso futebol claramente o demonstra, não é, pois, uma questão de leis, mas uma questão cultural. É por esta razão que todas as reformas têm fracassado, na medida em que centram os seus esforços na alteração das leis, quando o problema tem a ver com as atitudes e comportamentos. Na administração pública, por exemplo, a única reforma capaz de produzir efeitos positivos e eficazes é ou a privatização de serviços, como aconteceu com os notários, ou a substituição dos velhos funcionários dos tempos da máquina de escrever por funcionários novos familiarizados com as novas tecnologias e com uma nova visão do mundo.

É, por esta óbvia razão, que vejo com grande apreensão a maioria das medidas propostas pelo Governo para desburocratizar a administração pública (o tal Simplex), uma vez que reflectem o total desconhecimento da nossa realidade. Muitas dessas medidas, aliás, destinam-se apenas a facilitar ainda mais a vida a vigaristas e aldrabões.

Por outro lado, a reforma da segurança social apresentada pelo Governo com o prolongamento da vida activa dos funcionários públicos até e para além dos 65 anos é incompatível, pelas razões acima expostas, com a indispensável reforma do Estado e da administração pública. A não ser que o Governo se prepare para lançar no desemprego os velhos funcionários públicos, depois de os ter impedido de se reformarem.


Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

Comments:
tao mas este blog é só os artigos do Santana-Maia? Onde anda a vossa inteligência e imaginação jsd´s?
 
Very nice site! »
 
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