quarta-feira, julho 26, 2006

 

ISTO NÃO É UM PAÍS

É um rebanho de ovelhas

Ao reduzir a escrito a cláusula da “lei da rolha” na atribuição de apoio e subsídios autárquicos a jornais regionais e diferentes instituições, Rui Rio e Luís Filipe Menezes tiveram, pelo menos, o mérito de assumir às claras aquilo que quase todos (ou todos) os autarcas fazem às escuras. Quem tem a sorte de viver em Lisboa não sabe, nem imagina sequer o que sofrem, por esse país fora, todos aqueles que ousam manifestar publicamente qualquer pequena discordância com os senhores presidentes da Câmara. É muito pior do que no tempo do fascismo, porque, nesse tempo, pequenas críticas ainda eram toleradas, o que agora não acontece. E as consequências não se resumem, obviamente, aos cortes dos apoios às colectividades que essas pessoas representam, até porque essas pessoas nem sequer têm direito a representar qualquer colectividade. E quanto mais poder tem o pastor, mais as pessoas que não aceitam ser tratadas como ovelhas são perseguidas, perante a indiferença geral do rebanho.

Fui educado na veneração da nossa História e no orgulho de ser português. No entanto, quando agora olho à minha volta, só tenho motivos para me envergonhar. Nós não somos um país, somos um rebanho de ovelhas: um povo amoroso, pacífico, intelectualmente limitado, incapaz de um gesto de revolta, mesmo quando somos esfolados vivos, e que precisa de um pastor que pense por nós e nos guie, para não morrermos de fome e de sede.

É, por isso, natural que os portugueses nutram uma subserviência especial por todos aqueles que usam o cajado, sejam eles presidentes da Câmara, ministros ou o seleccionador nacional. Isto só confirma as teses do Marquês de Pombal e do Salazar: «os portugueses só trabalham de chicote na mão» e a felicidade dos portugueses assenta precisamente na sua ignorância, Não admira, pois, que as coisas aqui falhem, sempre que um iluminado vai beber o exemplo na Inglaterra ou na Finlândia, países onde as leis são feitas para homens livres e não para ovelhas ranhosas.

Recordo aqui a carta recentemente publicada no Público e no Expresso, para enlevo do pastor e do rebanho, de uma professora que pedia à senhora ministra da Educação para não desistir. E por que razão, segundo a referida professora, não devia desistir a ministra? Porque era ministra e confiava nela como em todos os seus antecessores que também classificava de bons ministros (imaginem se tivessem sido maus…) e que a única crítica que lhes fazia era o facto de terem desistido (desistido? Nunca deviam era lá ter posto os pés…).

No entanto, para ganhar coragem para dizer isto, a referida professora, à semelhança da aluna bem comportada que quer dar graxa à “sôtora”, tremeu que nem varas verdes fantasiando todo o tipo de represálias que iria sofrer dos seus colegas cábulas. Ora, se uma professora para elogiar a ministra, precisa de ganhar tanta coragem, imagine-se se quisesse criticá-la. Devia dar-lhe um colapso. E, pelo meio lá foi dizendo aquilo que todos os pastores gostam de ouvir das suas ovelhas: não gosto de discutir política, não tenho partido, nem estou sindicalizada, apenas gosto de ensinar.

Infelizmente, o que há por aí mais são professores que gostam muito de ensinar. Não gostam de discutir política, nem economia, nem literatura, nem cinema, nem pintura, de que, na verdade, não percebem nada. Não compram um livro, nem têm tempo para ler, nem para ir ao cinema, nem para assistir a qualquer espectáculo cultural. No entanto, gostam muito de ensinar. Mas ensinar o quê?, pergunto eu. Mal vai um país quando os professores acham que é muito importante os alunos saberem aquilo que os professores tiveram de estudar na véspera para lhes ensinar. O que nós verdadeiramente precisamos não é de professores que gostem muito de ensinar mas de professores que tenham alguma coisa para ensinar. Ou seja, professores com carácter, conhecimento, espírito aberto e convicções fortes, capazes de formar homens livres e não ovelhas ranhosas.

Santana-Maia Leonardo, in Primeira Linha

Comments:
Best regards from NY! » » »
 
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