segunda-feira, novembro 06, 2006

 

O Orçamento do nosso descontentamento

Ao ouvir nesta segunda-feira, o ministro das Finanças na apresentação do Orçamento do Estado de 2007, não pude deixar de pensar nas célebres palavras de Ricardo, duque de Gloucester, na cena inicial da peça de Shakespeare que leva o seu nome. Sim, aquelas em que nos afirma ter o Inverno do nosso descontentamento sido convertido em glorioso Verão, enterradas que estavam, no mais interno fundo do oceano, todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa.
Decretado o fim da crise poucos dias antes - embora rapidamente se percebesse que, tal como no caso de Mark Twain, também aqui a notícia da sua morte era manifestamente exagerada - chegava, depois de longa e ansiosa espera, o orçamento da mudança, do rigor, da estratégia credível. Da (enfim!) tão anunciada redução da despesa pública, que todos nós fomos habituados a tratar carinhosamente por " O monstro".
Não foram precisas muitas horas para perceber que as expectativas, mais uma vez, saíram defraudadas. Os anúncios repetidos ao longo das últimas semanas haviam feito crer que talvez fosse desta. Que ali, ao virar da esquina, começava a desenhar-se um Estado mais eficiente e mais poupado, selectivo nos investimentos, mas determinado em dar uma nova esperança aos portugueses. Um país menos sobrecarregado pelos impostos. Infelizmente não é assim. Pode sempre dizer-se que a responsabilidade não é do Governo, foi da esquina que se afastou. Mas há certamente explicações mais convincentes.
E depois há os mistérios. Como explicar que o Estado, alegadamente, irá encolher 25%, quando afinal a despesa pública orçamentada aumenta de 70 para 72 mil milhões, ou seja, uns "míseros" 400 milhões de contos na nossa antiga moeda? Encolhe, mas gasta mais? Como explicar que a despesa pública aumenta mais no próximo ano (2,6%) do que no corrente ano? Não era suposto ser o contrário? E como explicar que as transferências para a Estradas de Portugal sejam de 532 milhões quando só a factura no próximo ano para pagar as Scut está orçamentada em 705 milhões? Voltaram as práticas de desorçamentação?
Depois há o resto. Que, infelizmente, são sobretudo más notícias. Regressam os tantas vezes negados aumentos de impostos, uns mais visíveis como os dos combustíveis ou da ADSE, outros mais encapotados como a tributação agravada dos reformados. Persiste a redução em baixa do investimento público. Ou seja, corta-se sobretudo onde não se deve, continuando a gastar-se mais no dia-a-dia com o aumento da receita proporcionada pelo agravamento dos impostos e pelos cortes no investimento. Faz-me lembrar uma frase de um outro Inverno do nosso descontentamento: "O dinheiro não cura a doença, Só modifica os sintomas." Mal sabia John Steinbeck que a 45 anos de distância, resumiria tão bem a proposta de Orçamento do Estado para 2007.

Luís Pais Antunes

Deputado, Vice-Presidente do PSD, Advogado, sócio de PLMJ & Associados

Fonte: Diário de Notícias de 19 de Outubro de 2006

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