quarta-feira, maio 21, 2008

 

“Liberais-conservadores”





O Pedro Lomba escreveu um artigo no Diário de Notícias, declarando-se “liberal-conservador”. Também eu me defino como liberal-conservador. E concordo igualmente que a ordem não é indiferente. Foi a partir do liberalismo que comecei a entender e partilhar o valor de algumas tradições e a importância de saber conservar. Não foi de uma posição conservadora que cheguei à defesa absoluta da liberdade. E a liberdade é para mim o mais fundamental dos valores. Ou seja, no essencial estou de acordo com o Pedro Lomba.

No entanto, devo dizer que, no fim, fiquei desiludido com o artigo de Pedro Lomba. Não entendo o propósito de defender o liberalismo-conservador criticando o “liberalismo puro” e o “conservadorismo puro”. Apesar de tudo, para um “liberal-conservador”, há ameaças mais sérias à liberdade individual. E é nessas que nos devemos concentrar. Mas o ponto crucial deve ser a construção de um programa político à volta da ideia de liberdade. De certo modo, é secundário discutir se se é “liberal-conservador”, “conservador-liberal”, “liberal”, ou “conservador”. Muito mais importante do que definições individuais é a questão da liberdade dos portugueses. E a verdade é que os portugueses continuam a não gozar algumas liberdades fundamentais, principalmente se compararmos com o que se passa na maioria dos países europeus.

Antes de mais, não faz muito sentido reduzir a liberdade a um valor abstracto, uma espécie de princípio constitucional, se depois não somos capazes de criar uma sociedade onde se possa ser cada vez mais livre. As liberdades de organização política, de votar, de opinião são muito importantes e devemos fazer tudo para as manter. Mas não chegam. Num país como o nosso, e como a maioria dos países europeus, onde existem todas aquelas liberdades, há igualmente muitas formas de travar e impedir outras liberdades. E há muitas forças políticas, económicas e sociais dispostas a fazê-lo. Estes são os maiores adversários da tradição da liberdade.

Há um impulso humano muito forte e terrível: desejar controlar a vida dos outros, dizer como devem viver e decidir por eles. Quando estes impulsos se juntam a ideologias políticas que reforçam o dirigismo social e económico e o controlo colectivo (e tanto acontece à esquerda como à direita) e ao poder do Estado, então a liberdade diária está ameaçada. Os portugueses podem votar, mas não têm liberdade para escolher as escolas para os seus filhos estudarem (a não ser que sejam ricos). Os portugueses podem aderir aos partidos que querem (até podem criar novos partidos), mas não podem escolher os hospitais para se tratarem quando estão doentes (a não ser que sejam ricos). Os portugueses têm liberdade de opinião, mas a maioria deles não tem a liberdade para negociar os seus ordenados ou para iniciar novas actividades económicas (a não ser que sejam ricos).

Ou seja, a grande maioria dos portugueses estuda, trabalha e fica doente sem nunca escolher as suas escolas, os seus ordenados e os seus médicos. Eis alguns dos limites à nossa “liberdade”. Mas o mais trágico é que um sistema económico e social construído por socialistas e sociais-democratas permite, em nome da igualdade, que os mais ricos possam ser mais livres que a classe média (a grande maioria de portugueses) e muito mais do que os pobres. Em Portugal, a liberdade educativa, a liberdade laboral e a liberdade da saúde compra-se, não é um direito universal.

Gostaria que um dia as liberdades, em oposição à “Liberdade”, não fossem apenas um privilégio de uma minoria, mas que estivessem ao alcance da maioria. Não chega gostarmos de gozar a nossa liberdade individual, de uma maneira egoísta, e se tivermos condições para o fazer. Precisamos de responsáveis políticos e de cidadãos que acreditem que todos têm o direito a ser o mais livres possível. É óbvio que não há o perigo do retorno de regimes autoritários ou ditaduras, mas tem que haver uma nova maneira de encarar a política. Em democracia, pode existir mais ou menos liberdade. Em democracia, continuam a existir ameaças à liberdade e esta nunca está inteiramente conquistada. É necessário lutar por ela.

A questão decisiva para quem está no poder é a seguinte: quando tomo decisões, estou mais preocupado em aumentar a liberdade de escolha dos cidadãos ou em aumentar o meu poder para controlar? O principal objectivo de um governo deveria ser o seguinte: quando deixarmos o poder, Portugal será um país com cidadãos mais livres e com mais oportunidades. Se isso não acontecer, continuará a ser a riqueza a definir as liberdades dos portugueses.

João Marques de Almeida

in Diário Económico

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