terça-feira, outubro 14, 2008

 

O COPO DE ÁGUA

Apesar de defender a limitação de mandatos, não acredito que a lei que impede a reeleição sucessiva dos autarcas por mais de três mandatos venha alguma vez a ser aplicada. Só quem não conheça o país em que vivemos pode acreditar nisso. Sendo certo que já começamos a assistir a movimentações nos diferentes partidos para que a mesma seja alterada, antes mesmo de ser experimentada.

Seria, de facto, exigir muito de uma classe política mais identificada com a exemplar democracia de sucesso angolana do que com as velhas democracias do norte da Europa… Por alguma coisa, Salazar e Cunhal continuam ainda a ser as duas grandes âncoras da esmagadora maioria dos portugueses. Aliás, depois de 48 anos de salazarismo, alguém se consegue imaginar a viver num país sem caciques, sem corrupção e sem cunhas? Isto está tão enraizado no nosso ADN colectivo que somos completamente incapazes de sobreviver sem um pastor que nos guie. Por alguma razão, nos identificamos mais com os africanos e os sul-americanos do que com os europeus e os americanos.

Quero com isto dizer que o poder corrompe até um homem íntegro? Ninguém tenha dúvidas disso. Como dizia Lord Acton, «todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente».

O poder é como um copo de água. Qualquer pessoa consegue levantá-lo e mantê-lo suspenso no ar durante algum tempo. Mas não há ninguém, por muito forte que seja, que não ceda ao peso do copo, se estiver com ele na mão durante muito tempo. Só há uma forma de uma pessoa íntegra não se deixar corromper: não permanecer muito tempo no cargo (no máximo, dois mandatos). A partir daqui, até um braço íntegro começa a ceder ao peso do copo de água.

Em qualquer país decente, a limitação de mandatos é vista como um garante indispensável para que o poder possa ser exercido em prol da comunidade e não do próprio. Com efeito, como já está hoje cientificamente demonstrado, a longa permanência no poder altera a personalidade: torna as pessoas autoritárias e arrogantes, convence-as de que estão acima da lei e, muitas vezes, que são a própria lei. Leva-as a confundirem-se com o cargo, servindo-se dos bens da instituição e usando o dinheiro desta com se estivessem na sua inteira disponibilidade. Por outro lado, transformam-se em autênticos eucaliptos, apenas aceitando estar rodeados de espelhos que, a toda a hora, lhe recordem que não há no mundo presidente mais bonito do que eles.

Além disso, não há nada mais destrutivo das qualidades de uma pessoa do que a rotina. A rotina é uma fábrica de criar vícios. Por alguma razão, nenhuma multinacional americana mantém por muito tempo o mesmo director à frente das suas empresas, por muito excepcional que ele seja.
Sem esquecer que é muito difícil avaliar a boa ou má gestão dos dinheiros públicos e o nível de corrupção e compadrio existente num município com o presidente no exercício de funções, tendo em conta a teia de cumplicidades que o exercício do cargo sempre cria e o fundado temor que o mesmo inspira nos funcionários e nos munícipes.

Santana-Maia Leonardo : http://sol.sapo.pt/blogs/contracorrente

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